jdact
O Algarismo e o Número
«(…)
A comitiva castelhana seguiu o Caminho
dos peregrinos, mas em direcção ao oriente, e atravessou o Reino de Pamplona,
onde reinava Sancho, o Forte, um monarca belicoso e audaz, imensamente rico
graças ao tesouro real do califa almóada que capturara na Batalha das Navas de
Tolosa. Sancho conseguira tantas riquezas, que se dizia ser ele o principal
banqueiro da Cristandade e dispor de tal quantidade de dinheiro que podia
emprestar enormes quantias a todos os reis, nobres, eclesiásticos, comerciantes
e camponeses da Europa, o que representava para o seu erário uma nova fonte de
receitas, dado os altos juros dos empréstimos.
Conforme iam atravessando Navarra,
verificaram que por todo o lado estavam a edificar novas construções: castelos,
palácios, abadias, mosteiros, igrejas..., a maior parte dessas obras eram financiadas
pelo tesouro real de Pamplona, acrescentado com o extraordinário espólio obtido
na Batalha das Navas de Tolosa. Após passarem uns dias em Pamplona e depois na
abadia de Roncesvalles, onde um mestre-de-obras francês estava a dirigir a
construção de uma grande basílica para acolher os peregrinos, atravessaram os
Pirenéus pelo desfiladeiro de Ibañeta, pela calçada onde, segundo se cantava em
alguns poemas épicos franceses, tinha sido derrotada a rectaguarda do exército
de Carlos Magro comandado por Roldão, o sobrinho do imperador da barba florida.
A Aquitânia abriu-se diante dos seus olhos
coberta por um manto verde-esmeralda. As terras de Leonor estavam banhadas por
uma luz que refulgia sob um céu límpido e celeste. O bispo Maurício cavalgava
quase à frente da comitiva, imediatamente atrás do capitão que encabeçava a
escolta, sempre com o olhar atento a todos os lados do caminho, preparado para
desembainhar a espada assim que vislumbrasse a mínima situação de perigo. Todo
o Caminho Francês para Compostela estava cheio de alegorias à batalha em que
Roldão perdeu a vida. Os franceses consideravam-no o seu principal herói
nacional, o exemplo do cavaleiro arrojado e valente de um tempo distante em que
todas as terras entre os Pirenéus e o mar do Norte estavam unidas debaixo da
gloriosa coroa imperial de Carlos Magno. Não havia igreja, abadia ou castelo em
cujas paredes não existisse um fresco com uma representação do herói lendário,
ou um capitel com a talha de uma cena de alguma das suas aventuras; por todo o lado
os jograis e os trovadores entoavam canções nas quais Roldão abatia um dragão,
derrotava um gigante ou saía vencedor num singular combate com terríveis
inimigos.
Junto às lendas de Roldão e às suas façanhas
coexistiam as aventuras dos cavaleiros da Távola Redonda, os míticos
companheiros do rei Artur, o soberano da Bretanha; ambos haviam jurado dedicar
toda a sua vida e energias na busca do Santo Graal.
Numa aldeia do Sul
da Aquitânia, o pároco de uma igreja que se gabava de custodiar valiosas
relíquias e de ser uma das mais veneradas pelos peregrinos jacobeus, contou ao bispo
Maurício que o verdadeiro cálice da Última Ceia estava depositado num templo
fabuloso esculpido numa enorme rocha no mais profundo dos montes Pirenéus.
Assegurou-lhe que alguns peregrinos o tinham visitado e que os seus guardiães
eram os membros de uma confraria de monges que custodiavam a mais apreciada relíquia
da Cristandade em nome dos reis de Aragão, que se proclamavam sucessores de
Artur e protectores do Santo Graal. O bispo perguntou ao pároco a que distância
se encontrava dali esse fabuloso templo, e o padre indicou-lhe que a uns sete
ou oito dias de viagem, mas que o templo estava oculto no meio de serras
fragosas e ásperas, sempre cobertas de pesada bruma e denso nevoeiro, e que era
impossível encontrar aquele recôndito lugar se não se dispusesse de um guia que
conhecesse a sua localização exacta, pois estava tão escondido que passava
despercebido a qualquer um». In José Luís Corral, O Número de Deus, 2004,
O Segredo das Catedrais Góticas, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN
972-731-185-7.
Cortesia de Planeta Editora/JDACT