A crítica da Crítica crítica contra Bruno Bauer e
consortes
«O humanismo real não tem, na
Alemanha, inimigo mais perigoso do que o espiritualismo, ou idealismo especulativo, que, no lugar do ser humano individual e verdadeiro,
coloca a autoconsciência
ou o espírito e ensina,
conforme o evangelista: o espírito é quem vivifica, a carne não presta. Resta
dizer que esse espírito desencarnado só tem espírito em sua própria imaginação.
O que nós combatemos na Crítica baueriana
é justamente a especulação que
se reproduz à maneira de caricatura.
Ela representa, para nós, a expressão mais acabada do princípio cristão-germânico, que faz sua
derradeira tentativa ao transformar a crítica
em si numa força transcendental. Nossa exposição se atém
principalmente ao Jornal Literário Geral de Bruno Bauer,
e seus oito primeiros cadernos estavam a nosso dispor, porque é ali que a
Crítica baueriana, e com ela o despropósito da especulação alemã como um todo, alcançam o ápice. A Crítica
crítica (ou seja, a crítica do Jornal Literário) torna-se tanto mais instrutiva
quanto mais converte a inversão da realidade, empreendida através da filosofia,
na mais plástica das comédias. Veja-se, por exemplo, Faucher e Szeliga. O
Jornal Literário oferece um material à luz do qual também o grande público
poderá ser informado a respeito das ilusões da filosofia especulativa. E é essa
a finalidade de nosso trabalho. A nossa exposição naturalmente é condicionada
por seu objecto. Em regra, a
Crítica crítica se encontra abaixo das
alturas alcançadas pelo desenvolvimento teórico alemão. A natureza de nosso
objecto justifica, portanto, o facto de aqui
não avaliarmos esse
mesmo desenvolvimento. Crítica crítica obriga, muito antes, a mostrar a
validade dos resultados já disponíveis como
tais, opondo-os aos resultados que ela alcançou. É por isso que
antepomos essa polémica aos escritos propriamente ditos, nos quais nós, cada um
por si, entenda-se, haveremos de expor nossa visão positiva, e com ela nossa
atitude positiva ante as novas doutrinas filosóficas e sociais». In Engels – Marx. Paris, Setembro de
1844.
A
Crítica crítica sob a feição do mestre encadernador ou a Crítica crítica
conforme o senhor Reichardt. Friedrich Engels
A
Crítica crítica, por mais que se considere acima da massa, sente uma compaixão
infinita pela mesma massa. Foi tão grande o amor da Crítica pela massa que ela
enviou o seu próprio filho unigénito a fim de que todos os que crerem nele se
salvem e gozem as venturas da vida crítica. E eis que a Crítica se torna massa
e habita entre nós, e nós vemos na sua magnificência a magnificência do filho
unigénito do pai. Quer dizer, a Crítica torna-se socialista e fala de escritos
sobre o pauperismo. Ela não vê um assalto no facto de querer ser igual a Deus,
mas apenas renuncia a si mesma e assume a feição de mestre encadernador,
rebaixando-se ao nível mais absurdo, sim, ao absurdo crítico em línguas
estrangeiras. Ela, que em sua pureza virginal e celeste, retrocedia assustada
diante do contato com a massa pecadora e leprosa, dominou-se a ponto de dar
importância a Bodz (pseudónimo
que Reichardt inventou para Charles Dickens, Boz, na verdade) e todos os escritores-fonte do
pauperismo, marchando há anos passo a passo com o mal de nossa época; ela
desdenha escrever aos eruditos especializados e escreve para o grande público,
afasta todas as expressões de carácter estranho, todo o cálculo latino, todo o
jargão corporativo, tudo isso ela afasta dos escritos de outros, pois seria querer pedir
demais desejar que a Crítica se submetesse, ela mesma, a este regulamento da
administração. Todavia até mesmo isso ela chega a fazer, em parte, pelo menos,
desembaraçando-se com admirável facilidade, se não das palavras em si, pelo
menos do seu conteúdo; e quem haverá de acusá-la de fazer uso da grande pilha
de palavras estrangeiras ininteligíveis, se ela mesma nos obriga a chegar a
essa conclusão através de manifestações sistemáticas que dão conta de que essas
palavras permaneceram ininteligíveis também para ela? Algumas provas dessa
manifestação sistemática:
Por
isso lhes são abomináveis as instituições
do pauperismo.
Uma
lição de responsabilidade, na qual toda emoção do pensamento humano se converte na imagem da mulher de Ló.
Sobre
a pedra que coroa este edifício
artístico, de facto rico em
convicções.
Este
é o conteúdo fundamental do testamento político de Stein, que o grande
estadista entregou antes mesmo de se despedir do serviço activo do governo e de todos seus escritos.
Este
povo não possuía ainda nenhumas
dimensões para uma liberdade tão ampla.
Porquanto
ele, no fim de seu escrito publicista, parlamentou
com relativa certeza, assegurando que falta apenas confiança.
Ao
juízo varonil que levanta o Estado, que sabe elevar-se acima da rotina e do
temor pusilânime, que se forjou na história e se nutriu com viva intuição nas
instituições públicas estrangeiras.
[…]
Ao
povo, ao qual também o senhor Brüggemann distribui a certidão de baptismo da sua emancipação.
Uma
contradição bastante vivaz contra as demais determinações, proclamadas na obra com respeito aos dotes
vocacionais do povo.
O
egoísmo enfadonho dissolve todas as quimeras
da vontade nacional com rapidez.
A
paixão de adquirir muito etc., esse era o espírito que permeou toda a época da
Restauração e que se integrou aos
novos tempos com uma quantidade
bastante significativa de indiferença (as construções bizarras do senhor
Reichardt são um dos pontos criticados com dureza por Engels).
O
obscuro conceito de significação política, passível de ser encontrado na nacionalidade prussiana de carácter rural,
descansa sobre a lembrança de uma grande história.
[…]
In
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), A Sagrada Família, A crítica da Crítica crítica contra
Bruno Bauer e consortes, 1844, 1965, Boitempo Editorial, 2003, ISBN
978-857-559-032-4.
Cortesia de BoitempoEditorial/JDACT