O Algarismo e o Número
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Durante várias semanas viajaram para
norte, sempre pelo Caminho Francês; quando perderam de vista os Pirenéus, a
paisagem tornou-se monótona: suavíssimas colinas a meio de uma planície
infinita coberta de campos de trigo, nos quais de vez em quando se destacava a
torre de uma igreja ou um castelo no alto de urna suave colina. Nas
encruzilhadas e nas margens dos rios agrupavam-se numerosos casarios de
tamanhos muito diversos; alguns eram apenas pequenas aldeias de pouco mais de
uma dúzia de casas e outros configuravam-se aglomerações tão grandes como
Burgos, e até maiores. Muitas dispunham de fortalezas imponentes construídas com
pedras bem talhadas, ornadas de torreões poderosíssimos lavrados em pedras tão
brancas que reflectiam os raios do Sol como se de um espelho de azougue se tratasse.
Essas cidades possuíam magníficas igrejas e catedrais, todas elas construídas
no velho estilo românico, mas todos os bispos dessas dioceses aspiravam
construir em breve novas catedrais, tal como as que estavam a ser erguidas a
norte do rio Loire.
A Aquitânia tinha sido um grande Estado
autónomo, rico e poderoso, onde a riqueza e o bem-estar haviam florescido por
todo o lado. Muita gente ainda recordava os tempos em que Leonor, a sua excelsa
duquesa, reunia na sua refinada Corte dezenas de trovadores que rivalizavam na
beleza das suas composições. Havia apenas meio século que a mulher que
ostentara sucessivamente as coroas reais de França e de Inglaterra tinha feito
da Aquitânia a terra do amor, do luxo e do estilo de vida mais refinado que o
Ocidente havia conhecido.
Os trovadores ainda poetizavam as façanhas
daquela portentosa mulher que, seguindo o seu primeiro marido, o rei Frederico de
França, até à Terra Santa, tinha levantado o ânimo aos abatidos cruzados
mostrando o seu peito nu e a sua maravilhosa cabeleira ao vento, montando o seu
cavalo à frente dos soldados de Cristo. Os últimos jograis cantavam nas
esquinas das praças das cidades e nos pátios dos palácios e castelos a paixão
amorosa de Leonor de Aquitânia e Henrique de Inglaterra, cujo amor venceu o
mundo, e a energia que manteve, já anciã, para sustentar sobre os seus delicados
e envelhecidos ombros os direitos ao trono do seu filho, o rei Ricardo Coração
de Leão.
A grande dama das cortes de amor e dos cavaleiros
galantes, a mulher que tinha assombrado a Europa, jazia agora, dormindo o seu
sono eterno, na Abadia de Fontevrault, num sarcófago de pedra policromada ao
lado dos túmulos das duas paixões da sua vida, o marido, o rei Henrique II de
Inglaterra, e o seu filho Ricardo, o Coração de Leão.
A norte do Loire o céu
era menos luminoso. O intenso azul das terras do Midi tornava-se num esvaído
azul-esbranquiçado. Mas os campos de searas e a paisagem monótona e ondulada
continuavam a dominar tudo». In José Luís Corral, O Número de Deus, 2004,
O Segredo das Catedrais Góticas, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN
972-731-185-7.
Cortesia de Planeta Editora/JDACT