O
reino precisava mais do que um homem bonito
«(…) Dos dois reis castelhanos,
um, D. Pedro I, o Cru, matara a mãe do meio-irmão Henrique que, por sua
vez, o matou a ele. Então que ordem iria Fernando I repor na Galiza? Sintetizemos
o que Lopez Ayala, consagrado cronista castelhano, disse deste episódio:
Henrique não jogou com as mesmas armas do meio-irmão. Levava consigo tantos
fidalgos quantos precisava para eliminar Pedro, o Cru, apanhado
desprevenido nos seus aposentos. Assim que entrou, Henrique atirou-se cego de
vingança e de ódio sobre o irmão. Em vez de lhe levar um abraço fraterno, o que
tinha para lhe oferecer era um desvairado aperto assassino. Ora, abraços dá-se
aos amigos, não é coisa de matar, mas este que Henrique deu a Pedro tinha duas
finalidades: vencer ou morrer. Pedro por baixo, Henrique por cima, pés e mãos
dos seus vassalos em cima do desgraçado, pois sem o manietarem o seu senhor não
conseguiria aplicar-lhe o golpe mortal. Com as mãos livres, Henrique segurou no
punhal punitivo, apontou-o à garganta do irmão e desferiu-lhe as punhaladas que
o seu íntimo vingativo lhe requisitou, mais do que seriam precisas para matar o
filho mais velho do seu pai, que não da sua mãe.
Antes de marchar para tomar posse
do que os nobres galegos lhe ofereciam, assegurou o apoio do rei granadino,
Mohamad, como se o andaluz tivesse alguma intenção de provocar Henrique de Trastâmara.
Depois, para consolidar uma frente na rectaguarda de Henrique, um contra-senso
militar, tratou de oferecer o seu belo corpo à princesa Leonor, filha do rei de
Aragão, assegurando assim mais um reforço contra o Trastâmara. Para este
subsídio, Pedro IV de Aragão, o Cerimonioso, só de cognome, aceitou logo
a proposta, aprontando-se o casamento dos dois jovens na igreja de São Marinho
(sic) de Lisboa. Havia ainda uma
razão circunstancial para Fernando I apostar tudo na aventura galega. Então não
é que se deixou convencer de que, sendo neto da rainha Beatriz, teria direito à
coroa castelhana, depois da morte do primo Pedro? Era uma descendência no
mínimo longínqua. A princesa casara com o rei português Afonso IV, era filha de
Sancho IV um rei que governara Castela e Leão havia quase cem anos. Pelas
contas que fizeram a Fernando, sendo bisneto do dito Sancho, mesmo que fosse
pela via feminina, era o mais legítimo herdeiro ao trono castelhano. Quem era o
néscio que se convencia desta ligação? Só quem queria, e Fernando, pelos
vistos, era um destes.
Quem não achava graça às quimeras
de Fernando I, nem abria mão de um metro do território castelhano, era Henrique
de Trastâmara. Quando soube da pretensão do jovem rei de Portugal ao trono de
Castela, deve ter passado o dia a rir de cada vez que lia a árvore genealógica
e perdia a ligação de Fernando com Sancho IV. Mas isso que interessava ao Formoso
rei? A cabeça dele não aguentava tanta lisonja, era tudo em frente, rumar a
norte, passar o Minho, jantar e pernoitar em Tui para dias depois, se chegasse
a tempo, se instalar na Corunha. Pelo caminho ia construindo ilusões e tácticas
destrutivas, até se sentar na cadeira de onde Henrique não queria levantar-se».
In
Jorge Sousa Correia, A Tentação de D. Fernando, Clube do Autor, 2017, ISBN
978-989-724-344-8.
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