A rainha Quenet-Kaus, um faraó
esquecido?
(…) As três esposas de Pépi II
(Neit, Ipuit e Udjebten) viveram a sua eternidade nas três pirâmides próximas
da do rei, as duas primeiras a noroeste, a terceira a sueste. Cada uma delas possuía
um templo onde os ritualistas celebravam um culto do ka dedicado
à rainha defunta. A grande Neit, cujo nome evoca o da deusa, foi a primeira
grande esposa real de Pépi II; igualmente esposa da pirâmide do rei, foi
venerada por todos os dignitários da corte. A sua própria pirâmide era rodeada
por uma muralha com uma única porta precedida por dois pequenos obeliscos. Na
primeira sala, dita sala dos leões, praticavam-se ritos de ressurreição.
Depois encontrava-se um pátio, câmaras onde se conservavam objectos rituais e
estátuas, e o santuário propriamente dito, encostado à parede da pirâmide. Um
corredor estreito conduzia ao jazigo que abrigava um sarcófago de granito
rosado, comparável ao de Pépi II. A pirâmide de Ipuit e o seu templo, mal conservados,
compreendem conjuntos idênticos, mas com uma disposição diferente. Um lintel em
granito especifica que o faraó mandara
edificar este monumento para a sua esposa, aliás figurada nos
alizares. A pirâmide de Udjebten, que não teria sido de origem real, ao
contrário das duas primeiras esposas, não era menos importante. É certo que
estes três monumentos não passam de ruínas, mas contêm um tesouro excepcional,
parcialmente descoberto em consequência da dificuldade das escavações: colunas
de textos hieroglíficos consagrados aos múltiplos modos de ressurreição da alma
real e à sua perpétua viagem no Além. Estes Textos das Pirâmides, concebidos na cidade santa de
Heliópolis, foram revelados pela primeira vez no interior da pirâmide de Unas,
o último faraó da quinta dinastia, e as três mulheres de Pépi II foram
autorizadas a mandar inscrever nas paredes do seu jazigo estas fórmulas de
magia e de conhecimento. Tal como Pépi II, elas repousam pois no interior de um
Livro da Vida onde cada hieróglifo está carregado de poder.
A menos que falte descobrir uma
pirâmide feminina com textos, foi a primeira vez que se gravou em pedra a
identificação de uma rainha
com Osíris. Os textos das pirâmides das três mulheres de Pépi II oferecem
ao mesmo tempo capítulos comuns à totalidade dos monumentos do mesmo tipo e
passagens originais; ou seja, estas três grandes damas fazem ouvir uma voz única e insubstituível. Estas figuras
distantes, cuja história pessoal é desconhecida, formam uma trindade hieroglífica
que opera para a concretização de um dos grandes ideais do Antigo Egipto: a
vitória sobre a morte.
Nitocris, a Primeira Mulher Consagrada Faraó
O reinado de Nitócris
Tendo
morrido centenário, o rei Pépi II teve como sucessor Merenré, cujo reinado foi
muito breve: deve ter durado menos de um ano. É então que entra em cena
Nitócris, a primeira mulher oficialmente consagrada faraó reinante, posto que o
seu nome figura numa das listas reais compostas pelos próprios egípcios e conhecida
sob a designação de Cânone de Turim. Outras listas foram provavelmente
destruídas e constatamos que, muito antes de Nitócris, houve mulheres que
exerceram o poder supremo. Contudo, no actual estado de documentação, ela é a
primeira mulher a possuir formalmente o título de Rei do Alto e Baixo Egipto.
Nitócris subiu ao trono cerca de 2184 a.C. e, de acordo com os arquivos da época
ramessida, reinou dois anos, um mês e um dia; certos investigadores inclinam-se
a favor de um período mais longo, de seis a doze anos. Infelizmente não chegou
até nós nenhum documento arqueológico com o seu nome, o que origina uma
situação paradoxal: para rainhas anteriores, como Quenet-Kaus, há um monumento
colossal, faraónico, mas nenhum título explícito; para Nitócris, há o título
mas nenhum monumento! Belo enigma a resolver e, se não tivesse sido destruída,
uma sepultura excepcional para se descobrir». In Christian Jacq, As Egípcias,
Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.
Cortesia de EASA/JDACT