Cortesia de purl
«[…]
Este arbítrio talvez não
seja o mais conforme com os princípios; talvez seja porem o mais prudente; e há
casos em que a prudência dispensa certos princípios de uma natureza não
inteiramente obrigatória. Lembram também estas corporações a vantagem de
permittir a transferência dos coupons em inscripções de assentamento como meio
de tranquilisar alguns mais escrupulosos. A questão principal, porém, neste
momento é a de saber se se devem ou não devem pagar os coupons falsos, e bom
será resolvê-la quanto antes. Perdoe esta massada dada a quem ainda está
doente; e eu aqui quasi estou ensinando o Padre Nosso ao vigário.
Este caso, depois de
algumas soluções pouco aceitáveis que a Junta lhe deu, como a de obrigar os
portadores a apresentarem os títulos com os próprios coupons, na ocasião do
pagamento deles, veio a ficar resolvido pelo decreto de 30 de Janeiro de 1856,
que mandou trocar por outros títulos as inscrições ao portador e encerrado
finalmente pela lei que mandou pagar aos credores do estado prejudicados. Não
valeria a pena de falar nesta ocorrência, se não fosse a carta escrita pelo Rei
a Rodrigo Fonseca. Alem da perfeita observação que este documento revela, há a
notar a claresa com que ele expõe o assunto e o interesse que lhe despertava
qualquer incidente de administração. O que trazia absorvido o espírito público
e o que dava cuidados ao Rei era, naquele momento, a questão das subsistências
e também a da cólera mórbus que, entre outros factos a que deu origem,
ocasionou o encerramento da Universidade e o ficar o Rei pouco bem visto pelos
estudantes, em consequência da oposição que fez à concessão do perdão de acto.
Em 21 de Dezembro foi reaberta a Universidade, mandando-se começar os
trabalhos no dia 7 de Janeiro. Deste modo o ano lectivo de 1855-1856 ficou
encurtado em relação ao ano normal, não obstante as aulas de direito, teologia
e medicina funcionarem até 20 de Junho e as de filosofia e matemática até 10 de
Julho. Lembraram-se os estudantes de pedir perdão d’acto; o Rei, porem, não se
mostrava inclinado a conceder-lho. E, para que o seu governo não pudesse alegar
ignorância, escrevia a Rodrigo:
Não sei qual será a
opinião do Governo a semelhante respeito; a minha, quási que escusaria de
dizê-lo, é contrária ao que considero um grande mal não só para a instrução como
também para os interesses da fazenda. Se em tempos ordinários é tão grande a
produção de bacharéis, e tão escassos os meios de dar vasão a esse produto; que
será se facilitarmos ainda mais essa produção! Alem disso tendo-me eu
constantemente ocupado da instrução pública e lamentando os males que provêem
da facilidade com que entre nós se alcança a instrução superior, seria, creio
eu, uma singular contradição eu não opor-me a pedidos absurdos, que nem sei se
efectivamente existem. No entretanto julguei dever referir isto que acabo de
dizer, porque entendo que é sempre melhor prevenir do que remediar.
O expediente corria,
entretanto, regularmente. O Rei aprovava os estatutos do Montepio das
Secretarias de Estado e parecia-lhe que este seria o melhor modo de regular as pensões.
Também lhe submeteram à assinatura um decreto sobre o ensino veterinário, mas
esse ficou dependente de mais acurado exame:
Quanto ao decreto
reformando o ensino veterinário ainda me reservo examiná-lo mais miudamente, e
para isso pedi ao duque que viesse cá. Concordo com muitas das disposições,
quanto a outras careço de conhecer os motivos que lhes deram razão de existência.
A demora que daí possa provir não há-de ser grande, e certamente não se
estenderá como em certos papéis urgentes, por exemplo, de Julho de 1853 a 1855.
No projecto não se pode negar que existem alguma poesia, e algumas ilusões.
E em outra carta (21 de
Dezembro) indica o que supõe mais conveniente fazer.
Quanto ás coudelarias
militares ou antes potrís eu lembraria que, estabelecendo-se em princípio, se
estabeleçam na realidade como ensaios em ponto limitado e só naquellas
localidades que para isso apresentarem melhores condições. Igual reflexão farei
relativamente ao estabelecimento do ensino veterinário em todas as escolas
regionais. Eu julgaria a propósito começarmos pelo ensaio no Instituto de
Lisboa ou num dos dois do reino. O sistema de ensaios, sobretudo nestas cousas
que variam segundo as necessidades dos paises, parece-me sempre o melhor. Recebe-se
assim a confirmação ou desengano das ideas, sem correr o perigo de gastar
grossas somas com a sua generalisação.
No tocante à questão das subsistências, o Rei desejava que se fizessem
inquéritos e outros trabalhos que se publicassem para que o país conhecesse as
diligências empregadas para a resolver». In Júlio de Vilhena, D. Pedro V e o seu
Reinado, DP 664 V55 610415, 4 de 07 de 1955, Academia das Ciências de Lisboa,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.
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