Cortesia de purl
«(…) Além do exame de latinidade,
D. Pedro fez, com brilhante êxito, o de retórica e história, de inglês, ficando
satisfeito o seu professor Graveley, aquele mesmo que acreditava todos os boatos
que lhe encaixavam nos cascos e que os espalhava no Paço quando foi a revolta do
marechal Saldanha. Durante o ano de 1851 estudou o príncipe a matemática com o dr.
Filipe Folque, sem abandonar os outros estudos, fazendo os exames do costume em
22 de Dezembro. Assim se procedeu também no ano seguinte, dando o príncipe
conta dos seus trabalhos no exame de 23 de Dezembro, que foi o último a que o sujeitaram.
A mãe falecia-lhe em 15 de Novembro de 1853, e desde então D. Pedro, entregue a
si próprio, numa quási libertação do poder paternal, entregara-se ao estudo de todos
os assuntos com um afinco verdadeiramente sobrenatural. A mãe fora uma grande educadora.
A consideração e favor que dedicava aos mestres; a atenção que dispensava à maneira
como corriam os estudos; a sua vigilância que, como boa mãe burguesa e simples,
exercia perante os filhos, a ponto de os espreitar pelo buraco da fechadura
para ver se estudavam ou se tinham adormecido sobre os livros; todo o conjunto
de cuidados, que sempre lhe pareciam poucos, com que se desvelava para que tivessem
uma educação exemplar sob todos os aspectos, conferiam justamente a esta grande
mulher o título da melhor das mães.
A lenda levava até o
último recanto do país as repreensões que ela lhes dava em público, quando praticavam
algum acto que o rigor da mãe julgava repreensível. Agora obrigava a creança a beijar
o filho do povo que ela afastara de si, logo aplicava-lhe o vulgar puxão de orelhas
para que o povo visse bem como ela o sabia corrigir. E assim, a Rainha, a
figura mais nobre que teve o país constitucional, a vítima dos ódios recíprocos
dos estadistas do seu tempo, ensinava às senhoras portuguesas com os exemplos vindos
do trono, como o amor das mães se compadece com a austeridade empregada na educação
dos filhos. Ainda obedecendo ao plano que a Rainha traçara para a educação do presuntivo
herdeiro, percorrera D. Pedro, em duas viagens, quási todas as nações da Europa,
estudando, apreciando e criticando sucessivamente tudo quanto vira, em dois Diários
que, sem embargo dos descuidos de redacção em alguns pontos, devidos à pressa com
que lançava no papel os seus apontamentos, revelam bem o alto critério e a grande
ilustração do príncipe. Com esta preparação, e sendo certamente o talento mais precoce
do seu tempo, e em todos os tempos raríssimo, compreende-se que pretendesse
conhecer todos os negócios e quizesse impôr-se a toda a gente.
Era este temperamento, em
parte natural e em parte proveniente da educação recebida, compatível com o sistema
constitucional, em que os ministros nunca podem ser meros instrumentos em mãos alheias,
por mais competentes que sejam, visto que são os únicos responsáveis pelos actos
do governo? Certamente, não. E daí promanaram todos os desgostos do' Rei e, consequentemente,
todos os ódios e rancores que o açulavam contra os homens que, conscientes do seu
valor e dos seus direitos, resistiam às ordens do soberano, por vezes
impertinentes.
Nos primeiros meses do reinado
nenhum acontecimento extraordinário ocorreu. O novo Rei herdara três questões internacionais
de extrema gravidade e delas faremos a história na ocasião oportuna e quando estiverem
apuradas em todos os seus incidentes. Estas questões eram a da concordata com a
Santa-Sé, a do Ambriz e ainda a da convenção com a Holanda a respeito de Timor e
Solor. Todas preocuparam grandemente o ânimo do Rei. Entretanto, os factos corriam
com certa aparência de serenidade. D. Pedro abria cuidadosamente as duas Caixas,
e nenhum dos requerentes deixava de ter a desejada resposta no fim da semana.
Em 18 de Outubro assinou
D. Pedro um decreto, demitindo do lugar de amanuense da Junta de Crédito Público
Eduardo Mesquita Cabral Almeida, em vista da consulta da mesma Junta de 16, que
participava haver conhecido que este empregado com inteiro esquecimento dos seus
deveres duplicara uma porção de coupons que negociara e fora apresentada a pagamento.
O decreto mandava também que a Junta remetesse à secretaria de estado todos os documentos
comprovativos de tão desagradável ocorrência para se formar o competente processo
afim de o delinquente ser punido com todo o rigor da lei. Chegados os documentos,
pareceu que era caso para ouvir o conselho de Estado. O Rei estuda a questão e escreve
a Rodrigo Fonseca (24 de Novembro):
Hoje tivemos o Conselho de
Estado, e do que nele se passou lhe terão certamente já dado parte os seus
colegas. Aconteceu o que acontece quando se juntam mais de duas pessoas, quer dizer
foram tantas as opiniões quantas as pessoas. No entretanto de cada um se aproveita
o que for bom, e o Governo fará aquilo que em consciência entender. A questão divide-se
em três pontos: o primeiro constitue a acusação á Junta pela sua pouca vigilância,
e desleixo em proceder contra o delinquente; o segundo: devem ou não pagar-se
os coupons falsos ou para falar com mais propriedade, duplicados; 3.° quais os meios
a empregar para evitar a repetição de um caso semelhante? Sobre todos estes pontos
discorreu-se largamente.
A opinião de duas
corporações muito respeitáveis, o banco e a associação comercial é, como sabe, que
se paguem as obrigações dos coupons sem distinção de qualidade, para evitar o
abalo do crédito que em tal caso, apesar das asserções em contrário, não pode deixar
de se produzir.
[…]
In Júlio de Vilhena, D. Pedro V e o seu Reinado, DP 664 V55 610415, 4
de 07 de 1955, Academia das Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da
Universidade, 1921.
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