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de wikipedia e jdact
Canções
Despotismo
«(…)
Que momento haverá
que me não desse
Assunto a canto
lúgubre e sentido?
Que gesto embravecido
De Fortuna sem tino
se olharia
Que contra mim
bramindo não volvesse
As mãos estragadoras?
Que não faça colheita
em curtas horas
Dos mais tênues
indícios de alegria?
Vi daqui a inocente
Liberdade,
Qual uma pomba
cândida e mimosa,
Vir pousar-se,
gostosa,
Sobre os mesmos
grilhões que arrasto aflita;
Mas quando o peito
(asilo de amizade)
Com as asas branda
afaga,
Repara que Fortuna
tudo estraga,
E volta aos leves
ares onde habita.
Com vagos pensamentos
e suspiros
Que um doce, ignoto
fogo em mim criava,
O lindo Amor chamava,
A quem nunca pensei
fosse importuna
A reclusa inocência
dos retiros;
Mas o rapaz medroso,
Sem dó do triste
peito lastimoso,
Nunca me ouviu, com
medo da Fortuna.
Vibrava o ar ligeiro,
terno acento,
Tecido na inflamada
fantasia;
Somente o ar gemia,
E aos reflexos que
Délio cintilava,
Só trabalhava o
simples pensamento.
Assim meus cruéis
danos
Menos ríspidos fiz,
menos tiranos
E disto o mundo
estulto murmurava!...
Já tudo me fugiu, já
não escuto
Mais que o surdo
rumor que a mágoa excita».
Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’
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