Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
À música
De um véu de nuvens
finas, guarnecido
De ouro puro, se
touca a tarde fria;
Do Céu foge ligeiro o
frouxo dia,
A sombra envolve o
vale desabrido.
Já sem pejo, por
Délio ter fugido,
Solto a voz em
demanda da alegria;
Quieto o vento nada
respondia,
Entre as folhas e
flores recolhido.
Cantei, cantei, até
cansar do peito,
E conheci então como
a cantiga
Produz contra o pesar
mágico efeito.
Assim zombo de ti,
sorte inimiga!
Todo o triste que a
penas vive afeito
Não chore, pois
cantando é que as mitiga.
Acordai, ternas aves,
com meu canto!
Esposa de Titão,
suspende o pranto!
Se ao filho querido
No peito enternecido
Crias de choro amargo
ainda um tributo,
O rosto mal enxuto
Volve a mim, pois que
faço hoje a saudade
Primeira saudação da
claridade.
Lança os olhos
celestes
Nestes campos
agrestes,
Suprema Divindade, e
reconhece
O asilo em que a minha alma desfalece.
Se males não vulgares
São, Titônia celeste, os meus
pesares,
Olha de lá do Céu,
Esquecerás teu dano pelo meu.
Por mais que espalhes rosas
matutinas,
Por mais frescas boninas
Que à madrugada o lindo prado
ofereça,
Não
há bem com que os males meus esqueça.
Em vão, submissa, a dura sorte
imploro;
Insensível ao choro,
Aos ais que hoje derramo,
O Destino, que eu chamo,
Indignado responde aos meus
clamores,
E cruelmente aos lábios meus
aplica
A taça adonde encerra os seus
furores.
Em vão queixoso explica
Meu peito em seus suspiros
Os danos meus às grutas, aos
retiros:
Átis, se ouve, num tronco
transformado,
Insensível se mostra ao meu
cuidado;
Anaxarte, que a rocha ainda mais
dura,
Não se comove à minha desventura;
O Tejo, que algum dia, se eu
cantava,
Erguido sobre as ondas me
escutava,
Hoje nem se enternece,
E ao som dos meus gemidos
adormece.
Bem pode alguma Ninfa, comovida
De ver tão triste vida,
Contar a minha história com
ternura
No bosque ou na espessura:
Os pastores, tão duros como as
penhas,
Ao som da branda avena,
Comentam com um sorriso a minha
pena,
Mostram
mais que de feras ter entranhas».
Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’
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