Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
Canções
Despotismo
«(…)
Pensamentos, nascei, que Apolo o manda!
Atrevidos nascei, em
liberdade!
Quando a mão
execranda
Do Poder ou da fera
atrocidade,
Vos queira comprimir
o voo altivo,
Soltos voai,
impávidos rompendo
O véu em que a
mentira
Quere simuladamente
ir-se envolvendo!
Contra a luz da
justiça, tremulando,
Assustados os vícios
se arremessam,
A máscara rasgando;
Com vacilante pé,
coxos, tropeçam
Ante o gesto
brilhante da verdade,
E vão bater com as
formas espantosas
Nos escolhos medonhos
Que as Fúrias
acarretam, cavilosas.
Levantai-vos,
clamores, do meu peito!
Não peses, mão, com a
força das cadeias!
É vergonhoso efeito
Do Despotismo,
limitar ideias;
Os sustos pusilânimes
nasceram
No seio deste monstro
assaz fecundo;
Dele, ai de nós!
derivam
Os males que hoje
inundam todo o mundo.
Como te pintará meu
verso triste?
Despotismo cruel, tua
face vejo!...
Com Jove te mediste,
Altivo levantando a
voz sem pejo,
Antropófago cru,
lavado em sangue,
Monstro sem lei, que
as leis todas despreza,
E arrasta sem
vergonha
O código da sábia
Natureza.
Tu, enérgicas almas
abatendo,
Em lugar da virtude
generosa,
Nelas foste acendendo
Aduladora chama
melindrosa.
Do vil receio os
corações dominas;
Decorado dos trajes
da Prudência,
E espíritos arrastras
Ante as aras profanas
da indecência.
O Fanatismo segue-te
choroso,
Cinge a corda, o
cilício não despreza;
Mas punhal sanguinoso
Esconde para a vítima
indefesa;
Levanta os olhos para
o Céu que argúe
Com brandos sons, com
vozes simuladas;
As entranhas lacera,
E a fraude guia às
mentes subjugadas.
Solta, ó Jove, os
teus raios sobre o ímpio!
Cibele antiga, traga
este tirano!
Surge, ó severo brio!
Virtude! Surge, e
vence o nosso dano!
Se uma vítima falta
ao Despotismo,
Lília oferece-se aos
fados tenebrosos;
Farte em mim seus
furores,
E os mais homens,
enfim, sejam ditosos.
Escutai-me, altos
muros pavorosos,
Regiões de silêncio e
de amargura!
Canções de mágoa pura
Gemente solte a lira
ao desamparo.
Volve a elástica luz
aos Céus formosos,
Se Febo a manda ao
vale;
Mas em vão quere a
sorte que eu me cale,
Forçando o mesmo Febo
a ser avaro.
No peito aflito surge
novo canto;
Nasce em nós a
harmonia da tristeza;
Exprime com clareza
Um triste a dor que
sente, as mágoas suas;
A lira move mais
lavada em pranto,
Que de louro virente
Pela Musa enramada,
alegremente
Cantando Amor e as
lindas Graças nuas».
Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’
JDACT