A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Não vai tardar para que o
imperador seja declarado um deus, como foi o primeiro, Júlio César, disse a mãe
de Maria. Será que eles vão esperar por um período decente? Natã reclamou. Ora,
Zebida, o que poderia ser um período decente? Sentou-se e pegou uma maçã fresca
da cesta. Quanto tempo acha que leva para ser transformado num deus? Mordeu a
maçã, barulhentamente. É só, zás-trás! Um instante? Ou é um processo lento, que
nem massa de pão crescendo? Ambos caíram na risada. Imaginavam o corpo do velho
imperador Augusto crescendo, majestosamente, as suas feições inchando e,
finalmente, o corpo flutuando no seu leito de morte.
Quando conseguiram tomar fôlego
de tanto rir, Zebida disse: ele foi imperador tanto tempo que a gente já nem se
lembra mais. Que idade tem, tinha, ele? Natã pensou. Bem mais de 70, disse. É
uma vida longa para qualquer um, mas particularmente longa em Roma. Fez uma
pausa. E apesar de todos esses anos, de todas essas intrigas e de todos esses casamentos,
o pobre Augusto não teve um filho para o suceder. Foi senhor do mundo, mas o último
de sua família... Natã abanou a cabeça. E quem irá sucedê-lo?, perguntou Zebida, séria. Tibério, seu
enteado. Só que ele nunca gostou de Tibério. Mas, no final, foi o que sobrou.
Todos os outros, novos e velhos, que poderiam ser melhores imperadores,
morreram: Agripa, o seu melhor amigo, os seus netos, os seus sobrinhos... Deu
de ombros. É triste. Na verdade, é bem triste. E como é esse Tibério? Viraram-se
ambos e viram Maria no limiar da porta. Há quanto tempo estaria ela ali? Dizem
que é meio sinistro, disse o pai. E suspeito de complôs por toda a parte. Já
vem esperando há muito tempo para ser imperador. Qual a idade dele? Maria não
tinha perdido aquele jeito inquisitivo com a chegada da adolescência. Nem a
rapidez. Ora, deve estar na casa dos 50, disse Natã. Tornou-se uma velha rabugenta,
se é que um homem pode ser chamado de velha rabugenta.
Arrependeu-se assim que disse
aquelas palavras. Maria já estava na idade de ser pedida em casamento, mas isso
parecia surpreendentemente difícil. Não só ela não parecia interessada em
casar-se, como a família não recebera muitas ofertas por ela, o que era
estranho. Ela era bonita e inteligente, e uma aliança com a família poderia
significar um bom futuro para qualquer jovem. Com a boca fechada, Maria fitou o
seu pai. Por fim, disse: e como é que um romano pode ser uma velha rabugenta? O
que o seu pai queria dizer é que ele é..., uma pessoa muito difícil, melindroso,
efeminado... Como eu?, respondeu Maria. Ouvi dizer que participava de orgias obscenas,
quando ele e os seus amigos se divertiam. Então, como poderia ser efeminado? Bom,
se for possível ser ambas as coisas, então Tibério é ambas as coisas, disse o seu
pai. Que reinado nos espera pela frente, previu. Mas talvez ele fique ocupado lá
em Roma e nos deixe em paz. E onde é que ouviu essas coisas sobre a vida dele?,
perguntou sua mãe. E o quê,
precisamente, tinha ouvido? O que ela própria, Zebida, ouvira falar dele era
revoltante, repugnante.
Ah, está na boca do povo, disse
Maria, despreocupada. Ela e Quezia sempre falavam sobre ele, especialmente
sobre as orgias. Faziam comparações entre os seus padrões de depravação e os
dos homens da localidade: Pelo menos,
não tem rolos com desenhos obscenos, como Tibério... Pelo menos não faz isso em
público, como Tibério... Não distribui brindes especiais a quem vai às suas
orgias, como Tibério... Não conseguiu evitar uma risada, quando se lembrou
dos detalhes. O seu pai suspirou. O interesse de Maria por esse tipo de coisas
só iria dificultar o seu casamento. Os homens a veriam com maus olhos, embora fosse
atraente e elegante. Iriam preferir uma mulher feia, mas doce, pensou Natã.
Olhou para a sua filha com olhos de comerciante, tentando avaliar a qualidade
da mercadoria. Cabelos bonitos. Feições agradáveis, principalmente a boca e o
sorriso. Um pouquinho alta demais, mas magra. Uma voz agradável. Falava grego e
aramaico. Conhecia bem as escrituras. Era uma felicidade que as suas vantagens
fossem visíveis e as suas imperfeições não se percebessem de imediato. Imperfeições:
uma cabeça inquieta e inquisitiva. Uma tendência a desobedecer. Interesse por assuntos
proibidos, tais como a luxúria de Tibério. Ataques de melancolia que não
tentava disfarçar. Um certo gosto por coisas luxuosas e objectos preciosos. Um
temperamento um pouco rápido demais e também uma certa teimosia. E guardava os seus
segredos.
Imagino que não devêssemos estar
rindo, disse Maria, por fim. Não numa hora em que o corpo de Augusto ainda jaz
em algum lugar. Mas não é triste que eles, quero dizer, os romanos, realmente
acreditam que ele se transformará num deus? E mudanças rápidas de assunto,
acrescentou seu pai à lista das imperfeições de Maria. Fico pensando se
realmente acreditam nisso, disse Zebida, ou se é uma mera convenção política.
De certa maneira, parece até mais esquisito do que pessoas acreditarem que ídolos
têm poder, quando todos sabem que são feitos de pedra e madeira. E marfim,
pensou Maria com um sobressalto. Fazia muito tempo que não pensava no seu
segredo do tempo de criança. Sim, é verdade, os adoradores de ídolos dizem que
não são pedras que adoram, que a pedra representa outro poder, uma força invisível,
disse Natã. Mas dizer que um homem se transforma em deus... Balançou a cabeça,
em desaprovação». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de
Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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