A
Mulher que Amou Jesus
«(…) E pensar que deixam o corpo
de Augusto deitado ali, dias e dias depois que morreu!..., disse Maria. E
depois, queimam-no. Estremeceu. É uma coisa bárbara, mas, enfim, é isso que
eles são, os romanos são bárbaros. Pagãos, disse o seu pai. São pagãos, e não
bárbaros. É diferente. Eu diria que todos os bárbaros são pagãos, mas não o
contrário, disse Zebida. Tenho pena de todos eles, disse Natã, convicto.
Pagãos, bárbaros, idólatras, todos eles, tenham o nome que tiverem. O corpo de
Augusto César, morto longe de Roma, foi lentamente transportado, viajando de
noite e descansando de dia, rumo à capital. Foram duas semanas para que o velho
imperador chegasse ao coração de Roma, de onde havia reinado por quase meio
século. Encontrei Roma de pedra, e deixei-a de mármore, consta que ele dizia. E
a verdade é que o seu cortejo fúnebre atravessou as ruas de uma cidade
magnífica. Cerimónias não foram poupadas para tornar a sua última viagem
terrena exemplo supremo de todas as suas outras viagens. Quando, enfim, a sua
pira fúnebre foi acesa, um ex pretor, Numerius Atticus, viu o espírito de
Augusto César ascender aos céus; foi o que jurou, mais tarde, perante o Senado.
No dia 17 de Setembro, quase um
mês após sua morte, o Senado declarou Augusto formalmente um deus. Templos
seriam dedicados a ele, sacerdotes celebrariam um culto e festas seriam
realizadas em seu nome. Passaria a ser oficial o juramento pela cabeça divina
de Augusto. Esses juramentos eram imediatamente aceitos em todos os pontos do império,
inclusive nas terras de Israel, em centros administrativos romanos, como
Caesarea. Mas em Jerusalém e Magdala, a divinização de Augusto coincidiu com as
comemorações religiosas do ano novo de 3775. E, para quem rezava pelos
seus pecados e examinava as suas consciências por ocasião do Dia do Perdão,
proclamar o imperador um deus teria sido a primeira das abominações de sua
lista, e isso se alguém fosse suficientemente fraco para pronunciar o juramento
da moda, ainda que durante uma transacção comercial importante.
Para Maria, o ritual anual do
perdão tinha assumido um carácter cansativo de repetição. Todo o ano, ela
listava os seus pecados e genuinamente se arrependia, prometendo a Deus não os
repetir; no ano seguinte, dava por si no seu quarto arrependendo-se dos mesmos
pecados. Às vezes eram menos intensos, menos evidentes, o que lhe permitia ver
algum progresso, entretanto permaneciam, teimosos como as pedras do caminho,
que os jumentos pisam e repisam, mas não destroem. Agora, este ano, além das
coisas já conhecidas, Maria tinha descoberto novidades. No último Inverno, passara
da infância ao delicado estado de maneira de mulher. Isso significava uma porção
de novas expectativas e normas, algumas delas datando do tempo de Moisés, sobre
a impureza ritual, e outras, mais modernas, sobre comportamento. Significava
também que agora tinha idade para casar, e embora o seu pai não tivesse
insistido em começar a busca por um marido, ela sabia que ele o faria mais cedo
ou mais tarde.
Ela queria, e não queria,
casar-se, o que a confundia. Como não casar significava uma desgraça, ela não
desejava a desgraça. Queria o que todos queriam: ter uma vida normal, ser abençoada
pelas dádivas que todos concordavam que vinham de Deus. Isso significava saúde,
prosperidade, respeito, família e um lar. Mas..., queria mais liberdade, e a
responsabilidade de administrar uma casa, em termos práticos, significava ser
uma escrava. Tinha de se ocupar permanentemente de todos os que moravam sob o
tecto da sua casa. Via como a sua própria mãe tinha de trabalhar duramente e como
as suas cunhadas, de maneiras distintas, também trabalhavam. No entanto, a
outra alternativa era a de ser um peso, a vergonha de uma filha solteira. As
escrituras estavam repletas de censuras no que se referia às viúvas e aos órfãos,
de como eles eram sós e deviam ser assistidos, mas no que se referia à filha não
casada, o seu status era equivalente, ou ainda pior. A única diferença era de
que, nesse caso, um pai ou um irmão a poderia ajudar.
Mas a vida parecia doce demais
para ser vivida em dependência. Maria via como as mulheres casadas de Magdala
pareciam mais velhas, se comparadas com as mulheres gregas que, às vezes,
acompanhavam os seus maridos mercadores aos armazéns de salgar peixe. Ouvira
dizer que as mulheres estrangeiras podiam ter bens e viajar por conta própria;
algumas, inclusive, administravam as suas casas e ainda tinham negócios.
Dirigiam-se aos homens com intimidade, sem baixar os olhos, Maria já tinha
visto fazerem isso, inclusive com homens da sua família. O próprio Eli parecia
ter gostado, como se isso fosse um tipo de diversão proibida. Tinham nomes fascinantes,
como Phoebe e Phaedra, vestiam roupas simples e não cobriam a cabeça. Nomes que
lembravam..., Asera. O nome veio-lhe à cabeça como um raio. Asera.
Asera, que ficara naquele mesmo
lugar onde Maria a escondera todo aquele tempo; Asera, que sobrevivera à decisão
de Maria de jogá-la para fora da casa e destruí-la; Asera, que, subitamente, se
fazia presente em toda a sua força. Assim que terminar o dia, disse Maria para
si mesma, farei o que prometi fazer há tanto tempo. Livrar-me-ei dela. Deus me
ordena que o faça. Ele proíbe ídolos». In Margaret George, A Paixão de Maria
Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
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