terça-feira, 2 de outubro de 2018

A Verdadeira História. Margaret George. «Mas a vida parecia doce demais para ser vivida em dependência. Maria via como as mulheres casadas de Magdala pareciam mais velhas, se comparadas com as mulheres gregas…»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) E pensar que deixam o corpo de Augusto deitado ali, dias e dias depois que morreu!..., disse Maria. E depois, queimam-no. Estremeceu. É uma coisa bárbara, mas, enfim, é isso que eles são, os romanos são bárbaros. Pagãos, disse o seu pai. São pagãos, e não bárbaros. É diferente. Eu diria que todos os bárbaros são pagãos, mas não o contrário, disse Zebida. Tenho pena de todos eles, disse Natã, convicto. Pagãos, bárbaros, idólatras, todos eles, tenham o nome que tiverem. O corpo de Augusto César, morto longe de Roma, foi lentamente transportado, viajando de noite e descansando de dia, rumo à capital. Foram duas semanas para que o velho imperador chegasse ao coração de Roma, de onde havia reinado por quase meio século. Encontrei Roma de pedra, e deixei-a de mármore, consta que ele dizia. E a verdade é que o seu cortejo fúnebre atravessou as ruas de uma cidade magnífica. Cerimónias não foram poupadas para tornar a sua última viagem terrena exemplo supremo de todas as suas outras viagens. Quando, enfim, a sua pira fúnebre foi acesa, um ex pretor, Numerius Atticus, viu o espírito de Augusto César ascender aos céus; foi o que jurou, mais tarde, perante o Senado.
No dia 17 de Setembro, quase um mês após sua morte, o Senado declarou Augusto formalmente um deus. Templos seriam dedicados a ele, sacerdotes celebrariam um culto e festas seriam realizadas em seu nome. Passaria a ser oficial o juramento pela cabeça divina de Augusto. Esses juramentos eram imediatamente aceitos em todos os pontos do império, inclusive nas terras de Israel, em centros administrativos romanos, como Caesarea. Mas em Jerusalém e Magdala, a divinização de Augusto coincidiu com as comemorações religiosas do ano novo de 3775. E, para quem rezava pelos seus pecados e examinava as suas consciências por ocasião do Dia do Perdão, proclamar o imperador um deus teria sido a primeira das abominações de sua lista, e isso se alguém fosse suficientemente fraco para pronunciar o juramento da moda, ainda que durante uma transacção comercial importante.
Para Maria, o ritual anual do perdão tinha assumido um carácter cansativo de repetição. Todo o ano, ela listava os seus pecados e genuinamente se arrependia, prometendo a Deus não os repetir; no ano seguinte, dava por si no seu quarto arrependendo-se dos mesmos pecados. Às vezes eram menos intensos, menos evidentes, o que lhe permitia ver algum progresso, entretanto permaneciam, teimosos como as pedras do caminho, que os jumentos pisam e repisam, mas não destroem. Agora, este ano, além das coisas já conhecidas, Maria tinha descoberto novidades. No último Inverno, passara da infância ao delicado estado de maneira de mulher. Isso significava uma porção de novas expectativas e normas, algumas delas datando do tempo de Moisés, sobre a impureza ritual, e outras, mais modernas, sobre comportamento. Significava também que agora tinha idade para casar, e embora o seu pai não tivesse insistido em começar a busca por um marido, ela sabia que ele o faria mais cedo ou mais tarde.
Ela queria, e não queria, casar-se, o que a confundia. Como não casar significava uma desgraça, ela não desejava a desgraça. Queria o que todos queriam: ter uma vida normal, ser abençoada pelas dádivas que todos concordavam que vinham de Deus. Isso significava saúde, prosperidade, respeito, família e um lar. Mas..., queria mais liberdade, e a responsabilidade de administrar uma casa, em termos práticos, significava ser uma escrava. Tinha de se ocupar permanentemente de todos os que moravam sob o tecto da sua casa. Via como a sua própria mãe tinha de trabalhar duramente e como as suas cunhadas, de maneiras distintas, também trabalhavam. No entanto, a outra alternativa era a de ser um peso, a vergonha de uma filha solteira. As escrituras estavam repletas de censuras no que se referia às viúvas e aos órfãos, de como eles eram sós e deviam ser assistidos, mas no que se referia à filha não casada, o seu status era equivalente, ou ainda pior. A única diferença era de que, nesse caso, um pai ou um irmão a poderia ajudar.
Mas a vida parecia doce demais para ser vivida em dependência. Maria via como as mulheres casadas de Magdala pareciam mais velhas, se comparadas com as mulheres gregas que, às vezes, acompanhavam os seus maridos mercadores aos armazéns de salgar peixe. Ouvira dizer que as mulheres estrangeiras podiam ter bens e viajar por conta própria; algumas, inclusive, administravam as suas casas e ainda tinham negócios. Dirigiam-se aos homens com intimidade, sem baixar os olhos, Maria já tinha visto fazerem isso, inclusive com homens da sua família. O próprio Eli parecia ter gostado, como se isso fosse um tipo de diversão proibida. Tinham nomes fascinantes, como Phoebe e Phaedra, vestiam roupas simples e não cobriam a cabeça. Nomes que lembravam..., Asera. O nome veio-lhe à cabeça como um raio. Asera.
Asera, que ficara naquele mesmo lugar onde Maria a escondera todo aquele tempo; Asera, que sobrevivera à decisão de Maria de jogá-la para fora da casa e destruí-la; Asera, que, subitamente, se fazia presente em toda a sua força. Assim que terminar o dia, disse Maria para si mesma, farei o que prometi fazer há tanto tempo. Livrar-me-ei dela. Deus me ordena que o faça. Ele proíbe ídolos». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT