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Perante a ideia de passar a tarde
na pastagem e de regressar ajuizadamente a casa, trazendo leite e madeira seca,
Ardente sentiu o coração dar-lhe um salto. Amanhã anunciava-se pior do que
hoje, ainda mais baço, mais aborrecido, e o rapaz continuaria a perder a alma,
como se o seu sangue se escoasse lentamente. O que lhe importava a pequena
propriedade agrícola da família? O pai sonhava com trigo maduro e vacas
leiteiras, os vizinhos invejavam a sua sorte, as raparigas viam já Ardente como
um herdeiro próspero que, graças à sua força física, duplicaria a produção e se
tornaria rico. Sonhavam em casar com um camponês bafejado pela sorte, a quem
numerosos rebentos garantiriam uma velhice feliz. Milhares de seres
satisfaziam-se com aquele destino, mas Ardente não. Pelo contrário, parecia-lhe
mais sufocante do que as paredes de uma prisão. Esquecendo os bovídeos que se
arranjariam sem ele, o rapaz avançou na direcção do deserto, sem desviar os
olhos do monte que dominava o limite ocidental de Tebas, a riquíssima cidade do deus Amon onde tinha
sido construída a cidade santa de Carnaque, povoada de numerosos santuários.
A oeste, os Vales dos Reis, das Rainhas e
dos nobres que tinham acolhido as Moradas de Eternidade dessas ilustres
personagens. E também os Templos de Milhões de Anos dos faraós, entre os quais
o Ramasseum, o de Ramsés o Grande. Os artesãos, do Lugar de Verdade tinham
criado aquelas maravilhas... Não se dizia que trabalhavam de mão dada com os
deuses e sob a sua protecção? Tanto no coração secreto de Carnaque como no mais
modesto oratório, as divindades falavam, mas quem compreendia realmente a sua
mensagem? Ardente, pela sua parte, decifrava o mundo desenhando na areia, mas faltavam-lhe
demasiados conhecimentos para poder progredir. Não aceitava aquela injustiça.
Por que razão a deusa oculta na colina do Ocidente falava aos artesãos do Lugar
de Verdade e permanecia muda quando ele lhe implorava que respondesse ao seu apelo?
A colina, esmagada
pelo sol, abandonava-o à sua solidão e não eram as suas jovens amantes, ávidas
de prazer, que podiam compreender as suas aspirações. Para se vingar, gravou os
seus contornos na areia com toda a precisão de que era capaz e depois apagou tudo
com o pé raivoso, como se aniquilasse ao mesmo tempo aquela deusa muda e a sua
insatisfação. Mas a colina do Ocidente permaneceu intacta, grandiosa e
impenetrável. E apesar da sua pujança física, Ardente sentiu-se irrisório. Não,
aquilo não podia continuar assim. Desta vez, o pai teria que lhe dar ouvidos.
Vindo da sua longínqua Núbia, Sobek
entrara na polícia com a idade de dezassete anos. Alto, atlético, excelente
manejador de cajado, o negro de bela aparência tinha sido notado pelos seus
superiores. Um estágio na polícia do deserto permitira-lhe evidenciar as suas
qualidades, pois detivera mais de vinte beduínos que se dedicavam à pilhagem,
três dos quais particularmente perigosos, especializados no ataque a caravanas.
A promoção de Sobek fora rápida: aos vinte e três anos acabava de ser nomeado
chefe das forças de segurança encarregadas de garantir a protecção do Lugar de
Verdade. Na realidade, o posto não era nada cobiçado devido às
responsabilidades que pesavam sobre
o seu titular, que não tinha o direito de errar. Nenhum profano devia penetrar
no Vale dos Reis, nenhum curioso perturbar a serenidade da aldeia de artesãos;
competia a Sobek evitar qualquer incidente, sob pena de ser imediatamente
castigado pelo vizir. O núbio ocupava um pequeno gabinete num dos fortins que
proibiam o acesso ao Lugar de Verdade. Embora soubesse ler e escrever, não
tinha qualquer gosto pelas papeladas e pela classificação dos relatórios que
deixava para os seus subordinados. Uma mesa baixa e três tamboretes formavam o
essencial do mobiliário fornecido pela administração, que garantia a limpeza do
local e a sua manutenção.
Sobek passava a maior parte do tempo no
terreno, a percorrer as colinas que dominavam os locais interditos, mesmo
quando o Sol batia com força. Conhecia cada carreiro, cada cume, cada encosta,
e não deixava de as explorar. Quem fosse surpreendido em situação irregular era
preso e interrogado sem piedade e depois transferido para a margem oeste onde o
tribunal do vizir pronunciava uma severa condenação». InChristian Jacq, A Pedra da Luz, Néfer, O Silencioso, Bertrand
Editora, 2000, ISBN-978-972-251-135-3.
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