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Aspectos
da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) A peregrina Egéria, que
testemunhara as festividades da Páscoa em Jerusalém por volta do ano 400. disse
o seguinte:
Constatando que naquele país
parte da população sabe quer o grego quer o siríaco, embora uma outra parte
saiba apenas grego e uma outra ainda saiba apenas siríaco, e tendo igualmente
em conta que o bispo, embora saiba siríaco, fala sempre em grego e nunca em sírio,
está sempre a seu lado um padre que, enquanto fala em grego, traduz os seus
comentários para siríaco para que rodos o possam entender. De igual modo, para
as leituras que são proferidas na igreja, e visto que têm de ser lidas em grego,
está sempre alguém presente para as traduzir para siríaco, para benefício das
pessoas, no sentido em que isso lhes permite receber instrução. Quanto aos
latinos que se encontrem lá, isto é, aqueles que não sabem nem siríaco nem grego,
também para eles é dada uma interpretação para que não fiquem descontentes;
pois existem alguns irmãos e irmãs que, proficientes em grego e em latim, lhes
explicam os textos na sua língua.
Os Árabes, que se haviam
espalhado por todo o Norte até à Mesopotâmia, eram outro povo que marcava
presença entre a população da Síria e da Palestina. Alguns deles, como os
Nabateus de Petra e os Palmirenos, haviam-se tornado sedentários e perderam a
sua língua autóctone. Outros atravessaram os desertos, quer como salteadores quer
como vassalos do Império, cujo dever era proteger as áreas colonizadas e vigiar
a transumância dos nómadas. Não devemos, em caso algum, imaginar que a
conquista árabe do século VII introduziu um elemento estranho nestas províncias:
os Árabes sempre haviam ali estado, e porque o seu número aumentava, assumiram
cada vez mais o papel de guardiães da paz do imperador, no reinado de
Justiniano. Quando, por exemplo, os Samaritanos organizaram uma revolta
sangrenta em 529, foi um chefe árabe, Abukarib, que os venceu.
Intimamente ligada à Síria, em
virtude da sua situação, estava a ilha de Chipre. Aqui o grego havia sido
falado desde a pré-história, e havia também uma colónia bastante grande de
Sírios como se pode deduzir pela prevalência da heresia monofisita. Santo
Epifânio, o bispo mais famoso de Salamina (falecido em 403). era palestiniano e
diz-se que sabia cinco línguas, grego, siríaco, hebraico, egípcio e latim. Um
exagero talvez, mas, ainda assim, um indício do multilinguismo que caracterizava,
como ainda o faz, os mais empreendedores entre os Levantinos. Separada da
Palestina por uma área deserta, estende-se a rica e antiga terra do Egipto.
Aqui, também, a disseminação do grego era um legado directo da era helénica. A
capital, Alexandria, era uma cidade predominantemente grega, mas oficialmente
descrita como sendo ad Aegyptum, não in Aegypto, uma intromissão
num país desconhecido: e para quanto mais longe de Alexandria se viajasse,
menos grego se falava. À excepção da capital, apenas duas cidades haviam sido
fundadas pelos Gregos.
Naucrátis no Delta e Ptolemais na
Tebaida; nem a helenização teve grande progresso sob a administração romana.
Não contando com a colónia judaica, que no século I d.C. diz-se ter contado com
cerca de um milhão de pessoas, a maior parte da população, embora fosse
administrada em grego, continuava a falar egípcio (copta), e existem sinais de
que no Período Inicial bizantino o copta ganhava terreno, pelo que, no século VI,
até alguns actos oficiais eram publicados na língua autóctone. Acima de tudo, o
copta era a língua oficial do cristianismo egípcio, enquanto o grego se
identificava com a hierarquia estrangeira imposta pelo governo imperial.
A parte do Egipto colonizada, que
estava praticamente limitada ao vale do Nilo e ao Delta, via-se ameaçada em
todas as suas frentes pelas tribos bárbaras. Do Leste vinham os saqueadores
sarracenos; no Sul os Nobadae e Blémios negros eram particularmente
problemáticos, enquanto o Ocidente estava aberto a incursões berberes, assim
como a Líbia, uma província administrativamente associada ao Egipto. São
Daniel, um monge de Scetis, não muito longe de Alexandria, foi raptado pelos
bárbaros três vezes e conseguiu escapar, somente após matar o raptor, um crime
pelo qual cumpriu pena durante o resto da vida. Quando. Na segunda metade do
século VI, o monge itinerante João Moscho visitou os mosteiros egípcios, contou
muitas histórias de depredação de bárbaros e de salteadores nativos. Alguns
mosteiros estavam praticamente desertos». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova
Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN 978-972-441-492-8.
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