sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «Obrigados pela Regra, os comendadores deviam, pelo menos uma vez por ano deslocar-se ao convento central da Ordem, para aí participarem no capítulo geral»

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A mobilidade interna na Ordem de Avis (séc. XII-XIV)
«(…) Situadas em territórios geograficamente muito diferentes, a rentabilidade de cada comenda era muito variada. Daí que provavelmente, umas surgissem aos olhos dos cavaleiros como mais apetecíveis do que outras. Esta situação suscita-nos, de imediato, uma questão: funcionaria a comenda de Oriz, a única situada a Norte do rio Douro, por exemplo, como castigo para os cavaleiros que tivessem infringido a Regra ou apenas como trampolim para outras de maior rendimento? Seja como for, competia a cada comendador a manutenção das propriedades, sob pena da perca da comenda, bem como receber qualquer freire da ordem quando por ela passasse, em visita oficial ou não. A mobilidade dos comendadores dentro da sua própria comenda, motivada certamente pela entrega das propriedades a rendeiros e pela cobrança das diferentes rendas, é muitas vezes detectada através da data tópica dos documentos em que eles próprios intervêm em nome da Ordem.
Obrigados pela Regra, os comendadores deviam, pelo menos uma vez por ano deslocar-se ao convento central da Ordem, para aí participarem no capítulo geral. Desconhecemos se este preceito anual terá sido sempre cumprido de uma forma regular. Há, no entanto, alguns casos em que vários comendadores outorgam actos jurídicos juntamente com o Mestre no convento de Avis, provavelmente porque aí se encontravam a resolver problemas pontuais e não por terem sido convocados para a reunião magna da Ordem. A maior frequência é, naturalmente de comendadores cujas comendas se situavam relativamente perto de Avis (Benavila, Cabeço, Pedroso, etc.). Mas casos há em que o comendador de Albufeira ou o de Oriz, para só nos referirmos às mais afastadas, também estão presentes à feitura de documentos pelo escrivão do convento ou pelo tabelião local no capítulo da ordem.
Tal como os comendadores, o Mestre também se ausentava do convento de Avis. Já nos referimos à sua presença na Corte e à sua acção militar junto da fronteira. Em épocas de estabilidade, provavelmente circularia dentro do território consignado à mesa Mestral (ex.: em 1321, o mestre é um dos outorgantes em três documentos lavrados em locais diferentes) resolvendo problemas relacionados com a organização patrimonial. Em 1296, um problema de limites territoriais teve de ser adiado porque, segundo os procuradores da Ordem, só podia ser resolvido em presença do Mestre, que, naquele momento, estava impedido de comparecer. A nível dos freires da Ordem que não detinham qualquer dignidade ou cargo, havia certamente alguma mobilidade local, nem sempre de bons resultados. Por essa razão as Definições promulgadas em meados do século XIV aquando da visita ao convento de Avis relembram as penas a aplicar a quantos se ausentassem em bando do convento, conversassem com seculares ou andassem fugitivos das suas casas.
A mobilidade dos freires de Avis está sobretudo relacionada com a filiação desta milícia à Ordem castelhana de Calatrava, ou pelo menos, é essa a imagem que nos dá a documentação conservada. Ocorrida em data indeterminada, mas logo após a fundação da milícia de Évora (antecessora imediata da Ordem de Avis), a filiação implicava naturalmente as visitas do mestre de Calatrava ou de um seu representante ao braço português da Ordem, acompanhado de um abade cisterciense, com o objectivo de confirmar o mestre (no caso de ter ocorrido uma eleição), verificar a forma de vida e espiritualidade dos freires portugueses e a correcta gestão do seu património. No que respeita a Avis, a filiação permitia-lhe não só participar nas eleições do mestre castelhano mas também nos capítulos por ele convocados. Se não sabemos se alguma vez o mestre de Avis terá estado presente na eleição do seu superior castelhano, não restam dúvidas de que, em 1342, João Rodrigues Pimentel foi eleito Mestre de Avis na presença de representantes do Mestre de Calatrava, em reunião capitular expressamente reunida para esse efeito, e logo por eles confirmado. Cerca de 100 anos antes, em 1238, o mestre de Calatrava Martim, acompanhado do abade cisterciense de Sotos Albos, havia já visitado o convento de Avis, onde confirmara Martim Fernandes como mestre da milícia portuguesa, eleito anteriormente, em data desconhecida». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT