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A mobilidade interna na Ordem de Avis
(séc. XII-XIV)
«(…)
Situadas em territórios geograficamente muito diferentes, a rentabilidade de
cada comenda era muito variada. Daí que provavelmente, umas surgissem aos olhos
dos cavaleiros como mais apetecíveis do que outras. Esta situação suscita-nos,
de imediato, uma questão: funcionaria a comenda de Oriz, a única situada
a Norte do rio Douro, por exemplo, como castigo para os cavaleiros que
tivessem infringido a Regra ou apenas como trampolim para outras de maior
rendimento? Seja como for, competia a cada comendador a manutenção das
propriedades, sob pena da perca da comenda, bem como receber qualquer freire da
ordem quando por ela passasse, em visita oficial ou não. A mobilidade dos
comendadores dentro da sua própria comenda, motivada certamente pela entrega
das propriedades a rendeiros e pela cobrança das diferentes rendas, é muitas
vezes detectada através da data tópica dos documentos em que eles próprios
intervêm em nome da Ordem.
Obrigados pela Regra, os comendadores
deviam, pelo menos uma vez por ano deslocar-se ao convento central da Ordem,
para aí participarem no capítulo geral. Desconhecemos se este preceito anual
terá sido sempre cumprido de uma forma regular. Há, no entanto, alguns casos em
que vários comendadores outorgam actos jurídicos juntamente com o Mestre no
convento de Avis, provavelmente porque aí se encontravam a resolver problemas pontuais
e não por terem sido convocados para a reunião magna da Ordem. A maior
frequência é, naturalmente de comendadores cujas comendas se situavam
relativamente perto de Avis (Benavila, Cabeço, Pedroso, etc.).
Mas casos há em que o comendador de Albufeira ou o de Oriz, para só nos referirmos
às mais afastadas, também estão presentes à feitura de documentos pelo escrivão
do convento ou pelo tabelião local no capítulo da ordem.
Tal como os comendadores, o Mestre
também se ausentava do convento de Avis. Já nos referimos à sua
presença na Corte e à sua acção militar junto da fronteira. Em épocas de
estabilidade, provavelmente circularia dentro do território consignado à mesa
Mestral (ex.: em 1321, o mestre é um dos outorgantes em três documentos
lavrados em locais diferentes) resolvendo problemas relacionados com a
organização patrimonial. Em 1296, um problema de limites territoriais teve de
ser adiado porque, segundo os procuradores da Ordem, só podia ser resolvido em
presença do Mestre, que, naquele momento, estava impedido de comparecer. A
nível dos freires da Ordem que não detinham qualquer dignidade ou cargo, havia
certamente alguma mobilidade local, nem sempre de bons resultados. Por essa
razão as Definições promulgadas em meados do século XIV aquando da visita ao
convento de Avis relembram as penas a aplicar a quantos se ausentassem em
bando do convento, conversassem com seculares ou andassem fugitivos das suas
casas.
A
mobilidade dos freires de Avis está sobretudo relacionada com a filiação desta
milícia à Ordem castelhana de Calatrava, ou pelo menos, é essa a imagem que nos
dá a documentação conservada. Ocorrida em data indeterminada, mas logo após a
fundação da milícia de Évora (antecessora imediata da Ordem de Avis), a
filiação implicava naturalmente as visitas do mestre de Calatrava ou de um seu
representante ao braço português da Ordem, acompanhado de um abade
cisterciense, com o objectivo de confirmar o mestre (no caso de ter ocorrido
uma eleição), verificar a forma de vida e espiritualidade dos freires
portugueses e a correcta gestão do seu património. No que respeita a Avis,
a filiação permitia-lhe não só participar nas eleições do mestre castelhano mas
também nos capítulos por ele convocados. Se não sabemos se alguma vez o mestre
de Avis terá estado presente na eleição do seu superior castelhano, não restam
dúvidas de que, em 1342, João Rodrigues Pimentel foi eleito Mestre de Avis na
presença de representantes do Mestre de Calatrava, em reunião capitular
expressamente reunida para esse efeito, e logo por eles confirmado. Cerca de
100 anos antes, em 1238, o mestre de Calatrava Martim, acompanhado do abade
cisterciense de Sotos Albos, havia já visitado o convento de Avis, onde
confirmara Martim Fernandes como mestre da milícia portuguesa, eleito
anteriormente, em data desconhecida». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.
Cortesia
da Faculdade de Letras do Porto/JDACT