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1096. Agosto. Constantinopla. Capital do
Sacro Império Romano…
«(…) Era um milagre, e o
imperador Comneno esfregou as mãos de contente ao vê-lo: uma vasta coluna de
gente que se aproximava da cidade. Chegara finalmente a recompensa pelos seus esforços
de arrancar ao papa um novo exército que restauraria decerto o seu poder
esmaecido sobre um império em declínio. Mas esta visão sublime de uma poderosa
e brilhante força de combate dissipou-se à medida que um após outro dos
milhares de camponeses sujos, insalubres e famintos se encostava ao portão da cidade,
esperando hospitalidade do sacro imperador romano. Não era um exército de
cavaleiros, mas de maltrapilhos.
O problema de ter uma grande
massa de fanáticos medievais desorganizados a marchar de aldeia em aldeia com
pouco mais do que uma visão de esperança e a caridade dos aldeões locais é que
nenhuma liderança pode prover devidamente às suas necessidades físicas, e quando
a Cruzada do Povo atravessara a Hungria, não estava apenas a aceitar caridade,
mas a devorá-la. Muitos recorriam ao furto às de início hospitaleiras
populações cristãs, virando-se de vez em quando para o roubo de esposas locais,
violando mulheres, queimando celeiros e basicamente lançando-se ao saque, algum
dele a mando de um dos líderes, o conde Emerico, que tomou ele mesmo parte no
saque e instigou os seus camaradas ao crime.
Mataram quatro mil só na Hungria
e pegaram fogo à cidade sérvia de Belgrado. Mas não antes de a saquearem. Comneno
nada via além de ter de providenciar sustento a um bando de pobres, vagabundos
e oportunistas. Os portões da cidade mantiveram-se firmemente fechados e a
Cruzada do Povo desenrascou-se montando tendas do lado de fora das muralhas
intransponíveis. Seguiram-se semanas de ócio e, de narizes encostados à janela
de riquezas dentro de Constantinopla, os peregrinos dedicaram-se a pilhar casas
nos arredores da capital. Apesar dos melhores esforços de Pedro, o Eremita, e Gualtério Sem-Haveres
para darem exemplos de decoro, o banditismo substituiu a disciplina: não os
continha a decência das pessoas da província, nem os apaziguava a afabilidade
do imperador, mas comportavam-se muito insolentemente, destruindo palácios,
queimando edifícios públicos, arrancando os telhados de igrejas que estavam
cobertas de chumbo e depois oferecendo-se para vender de novo o chumbo aos gregos.
Um Comneno furioso tomou
eventualmente a decisão sensata de reunir provisões e libertar a sua capital
deste enxame, chegando a fornecer barcos à Cruzada do Povo para os levar pelo
apertado estreito do Bósforo até à Anatólia, para fora das suas fronteiras.
1096.
Agosto. Com o exército do Norte, preparando-se para partir…
A Festa da Assunção não tardou a
chegar para os milhares de cavaleiros persuadidos pela consciência ou pela
retórica de Urbano II a postar-se nos campos da Lorena e da Flandres, ajustando
o equipamento e aguardando a ordem que impulsionaria
uma vasta coluna de combatentes
em direcção à Terra Santa. O brilhante sol de Agosto voejando-lhes nas cotas de
malha era um bom presságio.
Pelo caminho, deveriam encontrar-se
com mais três exércitos de homens igualmente inspirados que marchavam de
localizações distintas por toda a Europa, fundindo-se em Constantinopla para formar
uma unidade de combate de quatro mil cavaleiros e trinta mil soldados de
infantaria. Ao contrário da Cruzada do Povo, este ramo nortenho do exército
cruzado era liderado por nobres flamengos que impunham a disciplina, três
irmãos de linhagem merovíngia, filhos de Eustácio II, conde de Bolonha. O mais
novo, Balduíno de Bolonha, era estudante das artes liberais; depois, havia
Eustácio III, que herdara o título de conde de Bolonha após a morte do pai; e, finalmente,
alto, louro, barbudo e devoto, um cavaleiro exemplar chamado Godofredo Bulhão.
Um cronista das cruzadas chamado
Raúl Caen descreveu Godofredo deste modo: o brilho da nobreza era aumentado,
neste caso, pelo esplendor das virtudes mais elevadas, tanto nos assuntos do mundo
como nos do céu. Quanto a estes, distinguiu-se pela generosidade para com os
pobres e a piedade para os que haviam cometido faltas. Além disso, a sua
humildade, a sua extrema gentileza a sua moderação, a sua justiça e a sua
castidade eram grandes; brilhava como uma luz entre os monges, ainda mais do
que como um duque entre os cavaleiros». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação
Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.
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