Cortesia
de wikipedia e jdact
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Trabalhar a terra logo a seguir à
cheia, semear, ceifar e colher, encher os celeiros, recear os gafanhotos,
roedores e hipopótamos que devastam as culturas, irrigar, cuidar dos utensílios
de lavoura, entrançar cordas durante a noite em vez de dormir, vigiar o gado e
os animais de tiro, preocupar-se constantemente com as terras e não ter outro
horizonte a não ser a qualidade do trigo e a boa saúde das vacas... Ardente não
suportava mais aquela existência monótona. Sentado por baixo de um sicómoro, no
limite entre os campos de cultura e o deserto, o rapaz aproveitava a sombra mas
não conseguia adormecer nem saborear o repouso bem merecido antes de seguir
para as pastagens familiares a fim de tratar dos bois. Aos dezasseis anos, Ardente, que media um metro e noventa e
tinha a estatura de um colosso, não queria viver a existência de um camponês
como o pai, o avô e o bisavô. Como todos os dias, vinha até àquele lugar
tranquilo e, com o auxílio de um pedacinho de madeira que tinha talhado,
desenhava animais na areia. Desenhar... Eis o que ele gostaria de fazer durante
horas, depois dar cor e recriar um burro, um cão e mil outras criaturas! Ardente
sabia observar. A sua visão entrava-lhe no coração e depois este último dava
ordens à mão, que agia no entanto com absoluta liberdade para traçar os
contornos de uma imagem mais viva do que a realidade quotidiana. O rapaz
precisaria de papiros, de estiletes, de pigmentos... Mas o pai era agricultor e
rira-lhe na cara quando o adolescente formulara as suas exigências. Havia um
lugar, um único, onde Ardente poderia obter tudo aquilo que desejava: o Lugar
de Verdade. Não se sabia nada do que se passava no interior dos muros da
aldeia, mas lá estavam reunidos os maiores pintores e desenhadores do reino, os
que eram autorizados a decorar o túmulo do Faraó.
Mas não havia qualquer hipótese para o
filho de um camponês entrar naquela fabulosa confraria. No entanto, o rapaz não
se podia impedir de sonhar com a felicidade daqueles que se podiam consagrar
totalmente à sua vocação, esquecendo a mesquinhez do dia a dia. Então, Ardente,
estás a aproveitar o bom tempo? O que acabava de assim se exprimir em tom
irónico chamava-se Rustaud e tinha cerca de vinte anos. Alto, musculado, estava
vestido apenas com um saiote curto de juncos entrançados. A seu lado, o seu
pequeno irmão, Jarret o Gordo, de sorriso estúpido. Com quinze anos, pesava
mais dez quilos do que o irmão mais velho por causa do número de bolos que
engolia todos os dias. Deixem-me em paz, os dois. Este lugar não te pertence...
Temos o direito de cá vir. Não me apetece ver-vos. A nós, apetece. Vais ter que
te explicar. A propósito de quê? Como se não soubesses... Onde estavas na noite passada? Tomas-te por um polícia? Nati...
Este nome não te diz nada? Ardente sorriu. Uma excelente recordação. Rustaud
deu um passo na direcção de Ardente. Monte de lixo! Essa rapariga deve casar
comigo... E tu, a noite passada, atreveste-te... Foi ela que me veio procurar. Mentes!
Ardente levantou-se. Não suporto que me chamem mentiroso! Por tua causa, não
casarei com uma virgem. E então? Se tiver alguma inteligência, Nati não casará
contigo. Rustaud e Jarret o Gordo exibiram um chicote de cabedal. A arma era
rudimentar mas perigosa. Paremos por aqui, propôs Ardente. Nati e eu passámos
uns bons momentos juntos, é verdade, mas é a natureza que assim quer. Para te
ser agradável, concordo em não tornar a vê-la. E, para ser franco, não sentirei
a falta dela.
Vamos desfigurar-te, anunciou Rustaud. Com
a tua nova cara, não seduzirás mais nenhuma rapariga. Não me importaria de dar
um correctivo a dois imbecis, mas está calor e prefiro terminar a minha sesta. Jarret
o Gordo lançou-se sobre Ardente com o braço direito levantado. De repente, o
seu alvo apagou-se diante dele. Foi levantado, projectado no ar e caiu de
cabeça para a frente de encontro ao tronco do sicómoro. Desmaiado, não se mexeu
mais. Estupefacto durante um instante, Rustaud reagiu. Cortando o ar com o
chicote, julgou que conseguia dilacerar o rosto de Ardente, mas o seu braço foi
bloqueado pelo do jovem colosso. Um estalido sinistro pôs fim à curta luta. Com
a omoplata deslocada, Rustaud largou o chicote de cabedal e fugiu a berrar. Nem
uma gota de suor perlara a testa de Ardente. Habituado a bater-se desde os
cinco anos, sofrera severos correctivos antes de aprender os golpes vencedores. Seguro da sua força, não gostava
de provocar mas nunca recuava. A vida não dava brindes, ele também não». InChristian Jacq, A Pedra da Luz, Néfer, O Silencioso, Bertrand
Editora, 2000, ISBN-978-972-251-135-3.
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