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A mobilidade interna na Ordem de Avis
(séc. XII-XIV)
«(…)
Há notícias de outras visitas de freires de Calatrava ao convento português:
por exemplo, Gomes (Mestre de Calatrava) está presente numa composição assinada
entre o Mestre de Avis e o Comendador da Ordem de Santiago (Paio Peres Correia)
em 1241. Contudo, apenas conhecemos duas deslocações de cavaleiros portugueses
a um convento da Ordem de Calatrava em território castelhano, que podemos
inserir no contexto mais vasto da jurisdição desta milícia sobre o seu ramo
português. Passamos a referi-las.
Em Maio de 1346, João Rodrigues
Gouveia (ex-comendador mor de Avis) e Rodrigo Aires (ex-celeireiro)
apresentam ao mestre João Rodrigues, no capítulo de Calatrava, queixas sobre a actuação
do mestre português, João Rodrigues Pimentel, eleito quatro anos antes, como
acima afirmámos. Pedem, por essa razão, que como padre abad de la casa de Avis, a fosse visitar e correger. Na impossibilidade do próprio Mestre
de Calatrava se deslocar ao convento português, comissiona o comendador-mor
Pero Estevez para o fazer. De volta a Calatrava, este comendador dá contas em
cabido da sua actuação. Acontece porém que João Rodrigues Gouveia, igualmente
presente no capítulo calatravenho, disse que recibiera agravio en la dicha visitacion por una sentencia que dizia
que diera don frey Johan (...) contra
el en que lo judgara por rebelde e pusiera en el sentencia de escomunion
presente el dicho comendador mayor. E o ex-comendador português
justificava a sua ausência no capítulo do convento de Avis reunido aquando da
visita dos comissários do Mestre de Calatrava, dizendo que recebera em Estremoz
(onde se encontrava) uma carta de Pero Estevez, sugerindo-lhe que el non fuesse a la dicha visitacion ca el
non poderia correger los agravios que le ficieram. Com este e
outros argumentos, confirmados pelo próprio visitador, o Mestre de Calatrava dá
ordem ao prior do seu convento para absolver o freire português da pena de
excomunhão que lhe havia sido perpetrada aquando do capítulo de Avis.
O que nos importa reter de todo o
processo, aqui apresentado de uma forma genérica e sem grandes pormenores, é a
presença de freires portugueses na ordem castelhana. Se a segunda presença de
João Rodrigues Gouveia se justifica pela defesa da sua atitude durante a
visita, os motivos que estiveram subjacentes à primeira deslocação a Calatrava
permanecem desconhecidos. É certo que havia, no seio da Ordem de Avis, alguma contestação
ao mestre João Rodrigues Pimentel: assim o atesta um documento que relata parte
do capítulo realizado em Avis na presença do visitador Pero Estevez, onde se
procura resolver uma outra questão que opunha o comendador de Cabeço de Vide
(Fernão Rodrigues) ao Mestre Rodrigues Pimentel. O desfecho de toda esta
situação, reveladora de instabilidade interna na Ordem de Avis, permanece ainda
desconhecido, mas sabemos que o Mestre continuou a exercer a sua dignidade e os
freires descontentes deixam de ser referidos na documentação da milícia.
Apesar de se tratar de um único
caso, não nos custa acreditar que outras vezes os freires portugueses tenham
recorrido aos superiores castelhanos. Dado que não conhecemos, no arquivo da
Ordem de Avis, qualquer acto que nos permita defender um recurso mais ou menos
frequente à casa-mãe (Calatrava), a confirmação desta hipótese terá
naturalmente de passar pelo confronto sistemático de todas as testemunhas que
surgem na documentação de Calatrava com os freires de Avis de que temos
conhecimento, já que só assim teremos provas concretas da sua presença da sua
presença no convento castelhano.
De
tudo o que fica dito, parece-nos lógico afirmar que, tratando-se de uma
instituição religiosa de cariz militar, forçoso seria que os cavaleiros saíssem
do convento de Avis, ou das casas que a Ordem possuía, quanto mais não fosse
para auxiliar o rei no combate aos muçulmanos (inserido no contexto da
Reconquista) ou na defesa da fronteira do reino (sobretudo após 1249, ano em
que termina a Reconquista em território português). Permanece, no entanto,
desconhecida a dimensão da mobilidade dos freires, até porque, em grande parte,
ela é adivinhada. Foi, contudo, possível verificar que os comendadores se
deslocavam com frequência tanto dentro da área que lhes estava confiada como
quando se dirigiam ao convento de Avis. Também o faziam quando havia problemas
na Ordem ou quando sentiam que eram lesados nos seus direitos, já que
procuravam o rei, como aconteceu em 1311 e em 1346 ou o Mestre de Calatrava
(também em 1346)». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de
Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.
Cortesia
da Faculdade de Letras do Porto/JDACT