Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães
A Revista de Portugal e a mentalidade
oitocentista
«(…)
A Revista de Portugal, e em
particular o seu director, Eça de Queirós, nos chama a atenção porque a sua actuação
jornalística se repercutiu simultaneamente nos dois lados do Atlântico. Através
do jornalismo, o escritor expressou ideias e atitudes de forma inovadora, e até
mesmo revolucionária, se considerarmos o efeito corrosivo e transformador de
seu humour crítico
e caricatural sobre o imaginário dos leitores. Como explicar, entretanto, que a
sua presença jornalística tivesse o mesmo êxito em contextos tão distanciados
entre si, depois de o Brasil se ter emancipado de Portugal? Acreditamos que,
pelo menos em parte, a resposta pressupõe, além da origem cultural comum dos
leitores portugueses e brasileiros, uma mesma aspiração de transformações
modernizadoras tanto em Portugal como no Brasil. Nestas condições, o jornalismo
da Revista de Portugal
abriu um diálogo entre os dois países perspectivando a liberdade e o
futuro, e não o passado.
Questões tão diversas quanto as
da circulação monetária, a instauração da República no Brasil, a instrução
primária em Portugal, o Ultimatum,
a Comuna de Paris, o crescimento urbano e desenvolvimento industrial, as novas
ideologias, a filosofia no século XIX, os romantismos, o realismo e o
naturalismo na arte e na literatura, estavam presentes na Revista de Portugal. Além disso,
este foi o veículo privilegiado para a publicação de variada poesia e das
ficções A correspondência de
Fradique Mendes e As minas do
rei Salomão. E todos estes diferentes temas correspondem ao
imbricamento entre tradição e modernidade. Aparentemente não existia uma
ideologia política subjacente à linha redactorial. Ao observarmos o Programa de
apresentação a Revista de Portugal
afirmava-se aberta as discussões da Política (1995). Tal ideia é reforçada
na carta de 7 de Agosto de 1981, que Eça enviou a Rodrigues de Freitas, onde
afirma: a Revista é um campo aberto a todas as opiniões. Porquê o título Revista de Portugal? Antes de mais,
convém sublinhar que o título duma publicação periódica é (…) o seu cartão de
apresentação e que todos os títulos têm uma missão muito clara: identificar um
periódico. No nosso caso, o título Revista
de Portugal, à primeira vista, teria um carácter simplesmente
referencial e situaria geograficamente o público destinatário da edição. Como
justificar, então, a ambição queirosiana que a revista fosse lida tanto no
Brasil como em Portugal? Do nosso ponto de vista, embora existisse uma
verdadeira polifonia ligada à palavra brasileiro (nas Farpas de 1872 Eça
escreveu uma polémica crónica sobre o brasileiro. Nós acreditamos que o texto
foi elaborado de forma ambígua, tanto para criticar o português como para
demonstrar que não concordava com a forma da vida que se levava no Brasil.
Note-se, desde já, o que Sampaio Bruno destacou: o brasileiro tornara-se para o
português o tipo de um grotesco infinito. De longe se lhe atribuíam todos os
vícios, todos os dislates, toda a sordidez possível e impossível […] Dava-se
uma coisa insensata: Portugal não tomava a sério o Brasil, Bruno, 1997. Esta
era justamente a imagem que o jovem Eça tinha do Brasil. No entanto, Bruno, esclarece
que o nosso brasileiro, assim lhe chamamos, porque nosso seja. Nosso pela
origem, pelas inclinações, pelos costumes. É o português repatriado. É o torna,
viagem. De forma a evitar outras interpretações, ao reeditar As Farpas em livro, Uma campanha alegre, 1890, o próprio
Eça também alterou de maneira significativa o seu texto original, provavelmente
para evitar equívocos, e subtilmente, ele deixa claro que está a falar na
caricatura do imigrante português. Na segunda versão do texto, brasileiro é
claramente o português enriquecido no Brasil e que volta à pátria de origem: há
longos anos o Brasileiro, não o brasileiro brasílico, nascido no Brasil, mas o
português que emigrou para o Brasil, é entre nós o tipo de caricatura mais
francamente popular. Cada nação possui assim um tipo criado para o riso
público. […] Nós temos o brasileiro: grosso, trigueiro com tons de chocolate,
pança ricaça, joanetes nos pés, colete e grilhão de ouro, chapéu sobre a nuca,
guarda-sol verde, a vozinha adocicada, olho desconfiado, e um vício secreto. Ao
reforçar a figura do brasileiro como torna-viagem, Eça elimina toda a
ambiguidade presente na crónica de 1872), julgamos que Eça entendia o Brasil
como um prolongamento de Portugal:
Pois bem! É uma torpe injustiça
que seja assim. E nós portugueses fazemos facciosamente mal em nos rirmos dos
brasileiros! Porque enfim, eles vêm de nós! As suas qualidades tiveram o seu
gérmen nas nossas qualidades. Somente neles alargaram, floresceram, frutificaram:
em nós estão latentes e tácitas. O brasileiro é a expansão do português. Queirós,
2004.
De
facto, a ideia de que o Brasil seria uma extensão de Portugal já está patente n’O Distrito de Évora: Portugal em
toda a sua história tem sempre provado que não é necessário que um povo seja
numeroso para ser grande. Ainda que pequeno soube disseminar-se pelo mundo e criar
outros povos. E um deles é o Brasil. Acresce, ainda, o pensamento de Elza Miné:
evidencia-se nas suas colaborações como correspondente, que é Portugal que está
sempre pelo avesso. O Brasil é uma entidade remota, vaga, esparsamente referida».
In Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso -
Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de
Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação
Avançada, Setembro de 2014.
Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT