«(…) Connie estava habituada a
Kensington, ou às colinas da Escócia, ou às dunas do Sussex: esta era a sua
Inglaterra! Com o estoicismo dos jovens, aceitou imediatamente a fealdade
extrema, desumana dos Midlands de carvão e ferro. Era incrível, e não valia a
pena pensar nisso. Das divisões sombrias de Wragby ela ouvia o chocalhar dos
crivos na mina, o barulho do motor do guindaste, o estalido das camionetas em
manobras e o desgarrado e enrouquecido apito das locomotivas de carvão. O silo
do poço de Tevershall estava a arder havia anos, e custaria milhares para o
extinguir. Por isso tinha de arder. E quando o vento soprava desse lado, o que
era frequente, a casa enchia-se do cheiro pestilento da combustão sulfurosa do
excremento da terra. Mas, mesmo nos dias sem vento, havia sempre o cheiro a qualquer
coisa debaixo da terra: enxofre, ferro, carvão ou ácido. E até sobre as rosas
do Natal se fixava a fuligem persistente e inconcebivelmente, como se fosse um
maná negro de um céu maldito. Bem, assim era, estava escrito como todo o resto.
Era terrível, mas para quê resistir? Não era possível, tinha de se continuar. A
vida como sempre. No céu baixo e negro da noite havia manchas vermelhas de fogo
que iluminavam, oscilavam, tornando-se nítidas, cresciam e contraíam-se, como
queimaduras que fazem sofrer. Eram as fornalhas. A princípio fascinaram Connie,
mas sentia ao mesmo tempo pavor, tinha a impressão de estar a viver debaixo da
terra, depois habituou-se a elas. De manhã chovia sempre.
Clifford dizia que gostava mais
de Wragby do que de Londres. Aquela região tinha uma determinação própria,
inflexível, e os habitantes eram corajosos. Connie perguntava a si mesma se
teriam algo mais: olhos e espírito não tinham com certeza. As pessoas eram tão
pálidas, disformes, tristes e hostis como a terra. Só na dureza do seu dialecto
e no malhar das botas mineiras, ferradas, quando em grupo se arrastavam no asfalto
em direcção a casa vindos do trabalho, havia qualquer coisa de terrível e de
misterioso. Não houve boas-vindas para o jovem fidalgo, nem festa, nem
delegação, nem mesmo uma simples flor. Somente uma viagem húmida de carro
através de uma estrada sombria e húmida, que desaparecia por entre as árvores
tristes e reaparecia na vertente do parque, onde carneiros cinzentos e húmidos
pastavam, até chegar ao cimo do monte, onde a casa estendia a sua fachada
castanho-escura e a governanta e o marido esperavam, como caseiros indecisos,
prontos a balbuciar as boas-vindas. Não havia comunicação entre Wragby Hall e a
aldeia de Tevershall, nenhuma. Nem saudações, nem reverências. Os mineiros
apenas olhavam, os comerciantes tiravam os bonés a Connie como a uma pessoa
conhecida e baixavam a cabeça desajeitadamente a Clifford. E era tudo. Havia um
abismo intransponível e um tranquilo ressentimento de parte a parte. Ao
princípio, Connie sentiu-se afectada com os laivos constantes de ressentimento que
a aldeia manifestava. Depois tornou-se insensível e passou a ser como um tónico
aquilo com que era obrigada a viver. Ela e Clifford não eram de modo nenhum
impopulares, mas pertenciam a uma espécie diferente da dos mineiros.
Havia um abismo intransponível,
uma brecha indescritível, talvez como riem sequer exista no sul de Trent. Mas
nos Midlands e o Norte industrial havia um abismo tal que era impossível uma
comunicação. Fica no teu lugar que eu fico no meu! Uma estranha recusa do pulso
comum da humanidade. No entanto, a aldeia gostava de Clifford e de Connie, num
plano abstrato. Na carne, de cada lado era Deixem-me em paz. O reitor
era um homem simpático, de cerca de sessenta anos, sempre ocupado com os seus
deveres, e reduzido como pessoa quase a uma insignificância pelo silencioso deixem-me
em paz dos aldeões. As mulheres dos mineiros eram quase todas metodistas, os
mineiros não eram nada. Mas até o uniforme oficial do clérigo era o suficiente
para ocultar a realidade de que ele era um homem como qualquer outro. Não, ele
era o senhor Ashby, uma espécie de obrigação automática, para pregar e orar. Esta
teimosia, tendência de pensar sempre Somos tão boas como tu, lady Chatterley, nos
primeiros tempos confundia e desorientava Connie profundamente. A amabilidade
curiosa, desconfiada, falsa, com que as mulheres dos mineiros lhe
correspondiam; e o tom estranhamente ofensivo de valha-me Deus! Agora sou
alguém, porque a lady Chatterley
falou comigo! Mas ela que não pense que vale mais do que eu que ela sempre
ouvia vibrar nas vozes, quase aduladoras, das mulheres, eram impossíveis de
suportar. Era impossível de transpor esta barreira. Era irremediável e
ofensivamente não conformista. Clifford deixava-as em paz, e ela aprendeu a
fazer o mesmo. Passava sem as ver, e elas fixavam-na como se fosse uma figura
de cera a andar. Quando Clifford tinha de lidar com elas, era altivo e
desdenhoso, impedindo imediatamente toda a cordialidade. Na realidade era
sempre assim com pessoas de outra classe. Mantinha-se firme sem fazer qualquer
tentativa de conciliação. O povo não gostava nem desgostava dele, apenas fazia
parte das coisas como a própria mina e Wtagby». In D. H. Lawrence, O
Amante de lady Chatterley, 1928, Relógio D’Água Editores, Ficções, 2011, ISBN
978-972-708-848-1.
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