Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães
A Revista de Portugal e a mentalidade
oitocentista
«(…) Quem tratou de forma
magistral esse tema foi Machado de Assis, por exemplo, na obra Esaú e Jacó, que corresponde a
uma visão humana, superior, do que significava ser brasileiro no fim do século.
A ficção anda em torno dos gémeos Paulo (republicano) e Pedro (monarquista) e
há uma presença constante de contrastes, de exploração do tema do duplo, e da
necessidade de conciliação entre as incongruências da sociedade brasileira.
Ora, entendemos que o brasileiro pode ser representado pelos irmãos: há uma fonte
cultural comum (Portugal) e, enquanto Paulo olha para o futuro; Pedro fixa-se
no passado. A ambiência histórica do romance entre a monarquia e a república
abarca as contradições da existência nacional para demonstrar uma unidade
ambígua.
Notas sobre o clima mental funissecular
Interessante é notar que, para
Jacinto Prado Coelho, a Revista de
Portugal é considerada uma das melhores publicações que
serviram a cultura portuguesa no século XIX e constitui um valioso documento do
clima mental português no fim do século. Assim, antes de analisar os conteúdos
da Revista, vamos tentar perceber um pouco clima finissecular. No século
XIX, a Europa domina o mundo e impõe novidades. De facto, a ideia de civilização
apresentava-se sempre relacionada com a Europa, como um conceito universal e portanto
superior, de acordo com uma visão eurocêntrica e etnocêntrica. Aliás, a
supremacia europeia no mundo seria indiscutível até às vésperas da primeira
guerra mundial.
No campo económico, temos o
capitalismo industrial; no ideológico, o liberalismo, o nacionalismo e o
socialismo. Nas Américas, ocorre o ciclo das independências das colónias latino-americanas.
Neste contexto, assistimos também a uma rápida melhoria no sistema de transportes;
registamos o desenvolvimento de inovações técnicas (máquinas rotativas, linótipos
e telegrafia) e a expansão da imprensa, que veio proporcionar a Eça de Queirós
a oportunidade de comunicar com muitos leitores, difundindo ideias e opiniões. Acreditamos
que, desde as publicações n’O
Distrito de Évora, Eça de Queirós procurava ser testemunha dos
problemas da sua época, manifestando um profundo desgosto pela incapacidade de
modernização do Estado luso. Tal desgosto era justificado: no final do século XIX,
as instituições como a Justiça, a Educação e a Saúde eram ineficazes. Havia uma
inépcia dos governos de então em encontrarem respostas adequadas para a
resolução dos problemas económicos. Predominava a mentalidade rural sobre a
urbana. Consequentemente a indústria era débil e dependia dos capitais
estrangeiros. No final do século, Antero cometeu suicídio (1891), e foi o tempo
da breve experiência governativa de Oliveira Martins. Até mesmo nos campos, com
a inexistência de legislação social, a situação era difícil e originava a
emigração para outros países da Europa ou para o Brasil. Além disto, o Ultimatum gerou um clima
de aversão contra os ingleses e, simultaneamente, foi uma das causas de
contestação à monarquia. Tempos conturbados que estão presentes nas páginas da Revista de Portugal.
Neste contexto interno
turbulento, devemos lembrar também que este período encerra ainda tradições bem
definidas. Perdida estava a principal base colonial da economia portuguesa desde
o século XVII, o Brasil, as possessões orientais eram insignificantes.
Considerava-se que as costas de África eram o local ideal para castigar e
expulsar da sociedade lusitana os criminosos: o degredo era uma prática usual
da justiça portuguesa. É neste contexto que vamos encontrar Eça de Queirós nas suas
reflexões sobre o além-mar. Figura no número três, do jornal O Distrito de Évora, um longo
artigo sobre o que Eça entendia por colónia. O escritor socorre-se da história para
afirmar o seguinte:
A fundação das colónias era uma
das ocupações principais das sociedades antigas (…) Os bandidos, reunidos sob
um chefe energético iam, em corte aventureira, procurar uma nova pátria pelo
mundo; coisa fácil, naquele tempo primitivo em que as nações ignoravam a existência
umas das outras. (…) Ora estas colónias do acaso e da aventura estiveram sempre
muito independentes da mãe-pátria; esta não tinha a grandeza nem a força para
ir ao longe dominar a colónia que tinha derivado de si (…) Assim eram as
colónias da Ásia Menor e da Itália. Ora estas pequenas sociedades nascidas da
cidade e da civilização grega, prosperaram todas (Queirós, 2000)».
In Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso -
Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de
Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação
Avançada, Setembro de 2014.
Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT