segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892). Adriana Mello Guimarães. «O estado teológico-fictício (…) que tem diferentes fases (fetichismo, politeísmo e monoteísmo) e em que o espírito humano explica os fenómenos por meio de vontades transcendentes»

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Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães

A Revista de Portugal e a mentalidade oitocentista
Notas sobre o clima mental funissecular
«(…) A seguir, e ainda no mesmo texto, Eça faz a comparação entre este sistema antigo e o método utilizado pelas colónias portuguesas:

As descobertas nos séculos XV e XVI dos navegadores portugueses e espanhóis, deram origem a uma nova espécie de colónias: o seu fim não era criar nações novas, era enriquecer as antigas; ao contrário das colónias romanas, que tinham por fim o império, estas tinham por fim o ganho.

Ou seja, para Queirós, um Portugal pluricontinental faria sentido como império. O que nos chama mais a atenção é o facto de Eça nunca mencionar a ideia da conquista como ponto de partida da conversão religiosa. Esta omissão denotaria já uma visão correspondente à separação entre o Estado e a Igreja no mundo moderno. Ou seja, há uma crítica velada, que aqui não vem à superfície, mas que espelha a condenação, por parte do autor, da influência da Igreja Católica sobre o Estado Português. Entre as novas realidades mentais, destacamos também a doutrina difundida no século XIX de que o Estado e as suas instituições descenderiam em linha recta, e por simples evolução da família. O Estado, entretanto, não é uma mera gradação da família, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição a ela. Historicamente, o Estado nasce de uma transgressão ou superação da ordem doméstica e familiar; simboliza um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do abstracto sobre o corpóreo. Pode-se traçar uma analogia entre a passagem do individual para o público, segundo a relação de um jovem com sua família: é preciso que o jovem se dissocie progressivamente da família para alcançar a maturidade e consequentemente uma melhor adaptação à vida prática. O Estado, para se constituir de forma expressiva, justa e eficaz, deve despir-se de todas as particularidades, subjectividades, laços de parentesco, sejam eles biológicos ou afectivos; enfim, a esfera estatal deve ser pressupostamente impessoal e isenta. Os entraves para a constituição de um Estado moderno no mundo cultural português oitocentista correspondem exactamente à persistência do patriarcado e do ruralismo, sistemas predominantes na altura em que Eça de Queirós elaborava as suas crónicas.
Não podemos deixar de mencionar que o século XIX marca o triunfo do cientificismo. Seduzidos pelo progresso contínuo, os defensores desta corrente propõem que os factos só podem ser conhecidos pela experiência, pelo rigor e pela demonstrabilidade decorrente das disciplinas ditas exactas. Estes pressupostos irão repercutir-se no pensamento de Augusto Comte e vão dar origem ao positivismo, que passa a dominar o pensamento no século XIX, tanto enquanto método como enquanto doutrina. Não cabe aqui descrever todos os princípios do pensamento positivista. Vejamos apenas, resumidamente, algumas características: o fundamental não era procurar o porquê das coisas, mas indagar-lhes a essência. Procuram-se leis (relações constantes). Assim, as explicações teológicas e metafísicas vão ser substituídas pela busca de respostas na Ciência. Para operar essa mudança, Comte cria a Lei dos três Estados, que é a base de sua explicação da História:

O estado teológico-fictício (…) que tem diferentes fases (fetichismo, politeísmo e monoteísmo) e em que o espírito humano explica os fenómenos por meio de vontades transcendentes ou agentes sobrenaturais; o estado metafísico-abstracto, onde os fenómenos são explicados por meio de forças ou entidades ocultas e abstratas, como o princípio vital etc.; e o estado positivo-científico, no qual se explicam os fenómenos, subordinando-os às leis experimentalmente demonstradas. Todas as ciências, segundo Comte, passaram pelos dois primeiros estados, e só se constituíram quando chegaram ao terceiro. O Estado Positivo é, pois, o termo fixo e definitivo em que o espírito humano descansa e encontra a ciência. As sociedades evoluem segundo essa lei, e os indivíduos, em outro plano, também realizam a mesma evolução. Partindo do princípio de que o objecto da ciência é só o positivo, isto é, o que pode estar sujeito ao método da observação e da experimentação.

Sublinhamos, então, que o positivismo só aceita o que pode passar pela observação. Sendo assim, tudo o que se refere ao saber humano poderia ser sistematizado segundo os princípios adoptados como critério de verdade para as ciências exactas e biológicas: os fenómenos sociais poderiam ser reduzidos a leis gerais como as da Física. Detenhamo-nos agora no que acontecia no Brasil (que durante a implantação da República sofreu uma forte influência do positivismo). Após a Independência política de Portugal (1822), o Brasil reafirmou a sua tradição agrária e resistiu às pressões que visavam abolir o tráfico de escravos. Ou seja, o Brasil da segunda metade do século XIX foi distinto por uma singularidade: existia um processo de modernização que ainda convivia com a escravidão A presença dos herdeiros da Casa de Bragança no Brasil decorreu até 1898 e a República aconteceu como a Independência se fizera, sem a participação popular. O novo regime resultou de um golpe militar». In Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.

Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT