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Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães
A Revista de Portugal e a mentalidade
oitocentista
Notas sobre o clima mental funissecular
«(…) A seguir, e ainda no mesmo
texto, Eça faz a comparação entre este sistema antigo e o método utilizado
pelas colónias portuguesas:
As descobertas nos séculos XV e
XVI dos navegadores portugueses e espanhóis, deram origem a uma nova espécie de
colónias: o seu fim não era criar nações novas, era enriquecer as antigas; ao
contrário das colónias romanas, que tinham por fim o império, estas tinham por
fim o ganho.
Ou seja, para Queirós, um Portugal
pluricontinental faria sentido como império. O que nos chama mais a atenção é o
facto de Eça nunca mencionar a ideia da conquista como ponto de partida da
conversão religiosa. Esta omissão denotaria já uma visão correspondente à
separação entre o Estado e a Igreja no mundo moderno. Ou seja, há uma crítica
velada, que aqui não vem à superfície, mas que espelha a condenação, por parte
do autor, da influência da Igreja Católica sobre o Estado Português. Entre as
novas realidades mentais, destacamos também a doutrina difundida no século XIX
de que o Estado e as suas instituições descenderiam em linha recta, e por
simples evolução da família. O Estado, entretanto, não é uma mera gradação da
família, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição a ela. Historicamente,
o Estado nasce de uma transgressão ou superação da ordem doméstica e familiar;
simboliza um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o
material, do abstracto sobre o corpóreo. Pode-se traçar uma analogia entre a passagem
do individual para o público, segundo a relação de um jovem com sua família: é preciso
que o jovem se dissocie progressivamente da família para alcançar a maturidade
e consequentemente uma melhor adaptação à vida prática. O Estado, para se
constituir de forma expressiva, justa e eficaz, deve despir-se de todas as
particularidades, subjectividades, laços de parentesco, sejam eles biológicos
ou afectivos; enfim, a esfera estatal deve ser pressupostamente impessoal e
isenta. Os entraves para a constituição de um Estado moderno no mundo cultural português
oitocentista correspondem exactamente à persistência do patriarcado e do
ruralismo, sistemas predominantes na altura em que Eça de Queirós elaborava as
suas crónicas.
Não podemos deixar de mencionar
que o século XIX marca o triunfo do cientificismo. Seduzidos pelo progresso
contínuo, os defensores desta corrente propõem que os factos só podem ser
conhecidos pela experiência, pelo rigor e pela demonstrabilidade decorrente das
disciplinas ditas exactas. Estes pressupostos irão repercutir-se no pensamento
de Augusto Comte e vão dar origem ao positivismo, que passa a dominar o pensamento
no século XIX, tanto enquanto método como enquanto doutrina. Não cabe aqui descrever
todos os princípios do pensamento positivista. Vejamos apenas, resumidamente,
algumas características: o fundamental não era procurar o porquê das coisas,
mas indagar-lhes a essência. Procuram-se leis (relações constantes). Assim, as explicações
teológicas e metafísicas vão ser substituídas pela busca de respostas na
Ciência. Para operar essa mudança, Comte cria a Lei dos três Estados, que é a
base de sua explicação da História:
O estado teológico-fictício (…)
que tem diferentes fases (fetichismo, politeísmo e monoteísmo) e em que o
espírito humano explica os fenómenos por meio de vontades transcendentes ou
agentes sobrenaturais; o estado metafísico-abstracto, onde os fenómenos são
explicados por meio de forças ou entidades ocultas e abstratas, como o
princípio vital etc.; e o estado positivo-científico, no qual se explicam os
fenómenos, subordinando-os às leis experimentalmente demonstradas. Todas as
ciências, segundo Comte, passaram pelos dois primeiros estados, e só se
constituíram quando chegaram ao terceiro. O Estado Positivo é, pois, o termo
fixo e definitivo em que o espírito humano descansa e encontra a ciência. As
sociedades evoluem segundo essa lei, e os indivíduos, em outro plano, também realizam
a mesma evolução. Partindo do princípio de que o objecto da ciência é só o positivo,
isto é, o que pode estar sujeito ao método da observação e da experimentação.
Sublinhamos,
então, que o positivismo só aceita o que pode passar pela observação. Sendo assim,
tudo o que se refere ao saber humano poderia ser sistematizado segundo os
princípios adoptados como critério de verdade para as ciências exactas e
biológicas: os fenómenos sociais poderiam ser reduzidos a leis gerais como as
da Física. Detenhamo-nos agora no que acontecia no Brasil (que durante a
implantação da República sofreu uma forte influência do positivismo). Após a
Independência política de Portugal (1822), o Brasil reafirmou a sua tradição
agrária e resistiu às pressões que visavam abolir o tráfico de escravos. Ou
seja, o Brasil da segunda metade do século XIX foi distinto por uma
singularidade: existia um processo de modernização que ainda convivia com a
escravidão A presença dos herdeiros da Casa de Bragança no Brasil decorreu até
1898 e a República aconteceu como a Independência se fizera, sem a participação
popular. O novo regime resultou de um golpe militar». In Adriana Mello
Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo em
Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura,
Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.
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