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As
Lágrimas do Papa
Os
Templários
«(…) Por certo, reforçou Filipe.
Um a leste e outro ao sul. Estudamos as muralhas. Acredito ser mais fácil
tomar, prioritariamente, esses dois sectores. Filipe designou as muralhas da
cidade de Acre. Apontou, um por um, todos os lugares da fortaleza que pareciam
mais vulneráveis e mais baixos do que o resto dos muros. Olhe, Ricardo... As
muralhas são menos espessas aqui e ali. Concentraremos as nossas forças nesses
dois pontos fracos. A Malvoisine nos abrirá uma passagem, ao bombardear
a fortificação com grandes pedras. Eis um plano que me convém; ele tem o mérito
de ser simples. A guerra nunca deveria ser complicada. Quem é corajoso e forte
deve vencer; é evidente. Um fraco astucioso também pode derrubar um rival de
peso, Ricardo! O inglês caiu na gargalhada e, dando um forte pancada no aliado,
disse: isso é política, Filipe! Cada coisa a seu tempo... Amanhã, faremos um massacre.
Vamos guerrear. Uma rude e bela tarefa para a glória de Deus.
A semana seguinte foi de violências.
Foram necessários diversos ataques para tomar São João de Acre. Para que os cadáveres
juncassem as ruelas onde corriam riachos de sangue. Para que, depois de invadir
a cidadela estripada à frente das suas tropas, o rei Filipe emergisse de um
pesadelo e, febril, avaliasse a extensão da carnificina. Para que o odor
repugnante da morte embrulhasse o estômago dos vivos a ponto de fazê-los
vomitar. Para que fossem arrastados grupos de prisioneiros, com as mãos na cabeça,
apavorados; fantasmas idiotas que não compreendiam as injúrias e os escárnios
dos vencedores. Para que os franceses erguessem o estandarte dos cruzados sobre
uma pilha de corpos emaranhados, enlaçados numa morte obscena, semi-nus,
dilacerados, despedaçados, sujos... Todo este sangue..., murmurou o rei Filipe.
É por Cristo, Sire!, confortou o cavaleiro Henri.
Cristo?, repetiu Filipe,
preparando-se para prosseguir, mas contendo-se ao ver o templário Renaud vir na
sua direcção, pulando os cadáveres ensanguentados. A espada do cavaleiro estava
vermelha até ao guarda-mão. O homem parecia exausto. Com o capuz caído,
podiam-se ver seus olhos ardendo como numa febre. Renaud sentou-se aos pés do
rei e soltou um longo suspiro antes de dizer: matar é tremendamente cansativo,
Sire. Se bem que rapidamente nos acostumamos e quase chegamos a apreciar o hábito;
a espada fica mais leve a cada homem trucidado. Não sabia que isso era tão ignóbil,
disse o rei. Tão feio... Muito feio, realmente, enfatizou Renaud. Seja uma
causa justa ou uma fraude, matar é uma tarefa horrível, pois mexe com instintos
terríveis que possuímos e que achávamos estar para sempre adormecidos. Uma
tarefa bestial, suspirou o rei, desviando-se do espectáculo dos corpos inertes,
alguns imobilizados em poses grotescas, dos cruzados feridos estendidos em maças,
entre choros, apelos e lamentos. Filipe desceu em direcção ao acampamento.
Atravessou as ruínas da muralha que a Malvoisine reduzira a migalhas.
Viu Ricardo Coração de Leão bebendo com alguns dos seus companheiros e recusou
o convite para se juntar a eles.
Filipe tremia. As suas carnes e os
seus ossos tremiam, como se atacados por um frio intenso. Uma certa mão pousou
no seu ombro. Uma presença firme que o tranquilizou e o aqueceu. Uma voz grave
que lhe disse: partiremos assim que cair a noite, Sire. Quando os homens
estiverem comendo. Está bem, cavaleiro Renaud. Iremos buscar os três rolos de
pergaminho. Agora, sei o preço pago por eles... Todo este sangue derramado. Mais
ainda, Sire. Muito mais! Isto não é nada e não pagaria nem a primeira letra do
manuscrito. Os dois homens prosseguiram juntos. O templário deixou a mão no
ombro do soberano, que não conseguia andar sem vacilar». In Didier
Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil,
2012, ISBN 978-852-861-550-0.
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