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Aspectos
da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Procópio não menciona aqui que
algumas das invasões da península Balcânica ocorreram antes da época de Justiniano,
nomeadamente, aquelas levadas a cabo pelos Godos em 378, pelos Hunos em 441-447,
pelos Ostrogodos em 479-482 e pelos Búlgaros a partir de 493. Não existe grande
dúvida no que diz respeito à imensa devastação causada por estas e outras
incursões mais tarde, mas é difícil avaliar o efeito na etnografia das regiões
em questão. As populações nativas eram os Ilírios a oeste, os Trácios e os
Daco-Misianos a leste e, claro, os Gregos a sul, mas seria preciso um grande historiador
para determinar, em meados do século VI, quem vivia onde e em que número. Os Eslavos
já haviam começado a colonizar, especialmente na área entre Nis e Sófia, como se
comprova pelos nomes dos locais listados por Procópio, e podemos imaginar que a
presença prolongada das tropas góticas e outras tropas bárbaras terá deixado alguns
rastos. Quanto às línguas, já comentámos a fronteira entre latim e grego. Do ilírio
(cuja relação com o albanês moderno é contestada) pouco se sabe, mas o trácio,
em particular o béssico, estava ainda muito vivo no século VI.
Em síntese, eram estes os povos e
as línguas do Império de Justiniano; e se se deu mais ênfase aos elementos
autóctones foi para poder corrigir a parcialidade das nossas fontes literárias e
narrativas. Por exemplo, Libânio, o retórico do século IV, que nasceu em Antioquia
e viveu a maior parte da sua vida nessa cidade, cujos escritos enchem onze volumes
impressos e são uma mina de informação útil, menciona apenas uma vez a existência
da língua siríaca. No entanto, é um facto incontestável que a Antioquia, onde se
falava grego, era uma ilha num mar de siríaco. Autores eruditos simplesmente não
repararam em tal fenómeno desconcertante. Nem as inscrições são muito mais
elucidativas. Quem quer que tenha feito uma inscrição, mesmo numa lápide, usou
naturalmente a língua de prestígio da zona. Além disso, muitos dialectos
vernáculos não eram escritos. É em grande parte entre os monges que somos
confrontados, ocasionalmente, com o povo iletrado, permitindo-nos ter uma vaga
ideia de como falavam. Como seria de esperar, tinham a sua língua autóctone, o
patois. Daí o hábito de implantar os mosteiros nacionais. No entanto, outros
eram multilingues: aqueles Que não Dormem (Akoimetoi) estava dividido
em quatro grupos por língua, latim, grego. siríaco e copta. No mosteiro fundado
por São Teodósio, o Cenobiarca, na Palestina, reinava o grego, o béssico
e o arménio. No monte Sinai, no século VI, ouvia-se falar latim, grego, siríaco,
copta e béssico. Em 518 o abade de um mosteiro em Constantinopla não pôde
assinar o seu nome numa petição porque não sabia grego. Exemplos semelhantes facilmente
se multiplicaram.
O nosso levantamento teria sido muito
mais informativo se tivéssemos sido capazes de exprimir em números a
importância relativa dos vários povos. Infelizmente, não temos números certos à
nossa disposição. Um escolástico de relevo aventurou-se, no entanto, a contrariar
a ideia de que o Império de Justiniano, incluindo as províncias ocidentais
reconquistadas, não teria mais de trinta milhões de habitantes. Não levando em conta
as perdas causadas pela grande peste de 542, esta estimativa parece-nos demasiado
baixa: podemos estar mais perto da verdade postulando trinta milhões na metade oriental
do Império. Aproximadamente, a distribuição teria sido a seguinte: oito milhões
no Egipto. nove milhões na Síria, Palestina e Mesopotâmia, conjuntamente, dez milhões
na Ásia Menor, e três a quatro milhões nos Balcãs. Se estes números estiverem
perto da realidade, os falantes autóctones do grego representariam menos de um terço
da população total, digamos oito milhões, abrindo-se concessões para os povos não
assimilados da Ásia Menor e para os falantes do latim e do trácio dos Balcãs. O
grego, o copta e o aramaico teriam estado, assim, em pé de igualdade. Comparada
com o crescimento do latim na Gália e em Espanha, dever-se-á presumir que a língua
grega terá tido uma evolução limitada entre o século III a.C. e o século VI d.C..
Esta situação deveu-se, sem dúvida, ao facto de a helenização se ter centrado,
em grande medida, nas cidades. Cerca de um século depois da conquista árabe, o grego
foi praticamente extinto, tanto na Síria como no Egipto, o que só pode querer dizer
que não teria criado fortes raízes». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova
Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN 978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT