Los
Seres. Sudoeste de França
«(…)
Vi o verde da Primavera dar lugar ao
dourado do Verão, o cobre do Outono dar lugar ao branco do Inverno, enquanto
eu, sentado, esperava a luz se esvanecer. Muitas e muitas vezes perguntei a mim
mesmo: por quê? Se eu soubesse como seria viver em tamanha solidão, suportar,
como única testemunha, o ciclo interminável de nascimento, vida e morte, o que
eu teria feito? Alais, o fardo da minha
solidão tornou-se prolongado demais para que eu o possa suportar. Eu sobrevivi
esta longa vida com um vazio no coração, um vazio que, ao longo dos anos, não
parou de aumentar até se tornar maior do que o meu próprio coração. Eu lutei
para manter as minhas promessas. Uma delas foi cumprida, a outra não. Pelo
menos até agora. Já faz algum tempo que o sinto perto. Nossa hora está quase
chegando de novo. Tudo aponta para isso. Logo a caverna será aberta. Sinto a
verdade disso à minha volta. E o livro, que durante tanto tempo repousou em
segurança, também será encontrado.
O homem faz uma pausa e estende a mão para pegar os óculos.
Seus olhos estão anuviados de lembranças, mas o guignolet é forte e
doce, e reacende a sua energia. Eu a encontrei. Enfim. E me pergunto, se puser
o livro nas suas mãos, será que ela o reconhecerá? Estará a sua lembrança
escrita no sangue e nos ossos dela? Será que ela se lembrará de como a capa
cintila e muda de cor? Se desatar a sua tira e o abrir, tomando cuidado para
não danificar o velino seco e quebradiço, será que se lembrará das palavras
ecoando pelos séculos passados? Rezo para que, à medida que os meus longos dias
se aproximam do fim, eu tenha enfim a oportunidade de consertar o que um dia
estraguei, para que eu enfim conheça a verdade. A verdade me libertará. O homem
se recosta na cadeira e estende diante de si, sobre a mesa, as mãos cobertas
pelas manchas marrons da idade. A oportunidade de saber, tanto tempo depois, o
que aconteceu no final. Isso é tudo que ele quer.
Chartres. Norte da França
Mais tarde, nesse mesmo dia, quase mil quilómetros para o
norte, outro homem está de pé num corredor mal iluminado sob as ruas de
Chartres, esperando a cerimônia começar. As palmas de suas mãos estão suadas,
sua boca está seca e ele tem consciência de cada nervo, cada músculo do seu
corpo, até mesmo do pulsar das veias nas suas têmporas. Sente-se pouco à
vontade, aéreo, embora não saiba dizer se isso se deve ao nervosismo e à
expectativa ou aos efeitos do vinho. A túnica
branca pesa nos seus ombros, um peso pouco familiar, e as cordas feitas
de cânhamo torcido repousam sem naturalidade sobre os seus quadris ossudos. Ele
olha de relance para as duas figuras silenciosas de pé ao seu lado, mas os
capuzes escondem-lhes o rosto. Ele não sabe dizer se estão tão ansiosos quanto
ele ou se já passaram por esse mesmo ritual muitas vezes antes. Estão vestidos
da mesma maneira que ele, mas as suas túnicas são douradas em vez de brancas, e
eles estão calçados. Os seus próprios pés estão descalços, e as pedras do piso
são frias.
Bem lá em cima, acima da rede escondida de túneis, os sinos da
grande catedral gótica começam a badalar. Ele sente os homens ao seu lado se
retesarem. E o sinal pelo qual estavam esperando. Imediatamente, ele abaixa a
cabeça e tenta se concentrar no momento presente. Je suis prêt,
murmura, mais para reconfortar a si mesmo do que em uma afirmação. Nenhum dos
seus dois companheiros esboça qualquer reacção. Quando a última reverberação dos sinos se transforma novamente em
silêncio, o acólito à sua esquerda dá um passo à frente e, com uma pedra
parcialmente escondida na palma da mão, desfere cinco batidas na porta maciça.
Lá de dentro vem a resposta. Dintrar. Entrar. O
homem pensa por um instante que reconhece a voz da mulher, mas não tem tempo de
adivinhar de onde nem de quando, porque a porta já está abrindo para revelar a
câmara que ele esperou tanto tempo para ver». In Kate Mosse, O
Labirinto Perdido, Labyrinth, 2005, Publicações dom Quixote, 2006, ISBN
978-972-202-969-8.
Cortesia de
PdomQuixote/JDACT