jdact
Aspectos
da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Outra observação poderá ser
feita com base no nosso levantamento, nomeadamente, o facto de apesar da crescente
insegurança em quase todas as partes do Império, muitos dos súbditos de Justiniano
viviam ainda nas suas terras de origem tradicionais. A diáspora dos Gregos, dos
Judeus e, a um menor grau, dos Sírios, acontecera alguns séculos antes. Do ponto
de vista etnográfico, assim como em muitos outros aspectos, a era justiniana representa,
portanto, o final da Antiguidade. Seria maçador descrever todas as mudanças etnográficas
que o Império testemunhou depois do século VI, mas devemos mencionar e comentar
aquela que representou a maior mutação de todas, que teve início algumas décadas
depois da morte de Justiniano. O primeiro sinal fez-se sentir com a instalação em
massa de Eslavos na península Balcânica. Com efeito, vieram várias vagas de Eslavos
e, ao contrário de invasores anteriores, estes vieram para ficar. Num passo muito
citado de João de Amida (também conhecido por João de Éfeso). regista-se que em
581:
um povo execrável, os chamados
Eslavónios, invadiu toda a Grécia e o país dos Tessalonicenses, bem como toda a
Trácia, tomando cidades e vários fortes, devastando e queimando o que lhes surgia
pela frente, e escravizando as populações. Fizeram-se senhores do país inteiro que
colonizaram à força, e ali passaram a habitar, vivendo em paz em territórios romanos,
sem ansiedades ou receios, capturando prisioneiros, chacinando e destruindo
tudo.
Outra fonte, a chamada Crónica de
Monemvasia, refere que no ano de 587-588 os Turcos Ávaros (com os quais os
Eslavos eram normalmente aliados):
capturaram toda a Tessália e toda
a Grécia, o antigo Epiro, Árica e Eubeia. De facto, atacaram os Peloponenses e tomaram
as suas terras pela força das armas. Depois de expulsarem e destruírem os povos
helénicos autóctones, estabeleceram-se no 1ocal. Aqueles que conseguiram escapar
às suas mãos assassinas dispersaram-se por várias zonas. Assim, os cidadãos de Patras
mudaram-se para a região de Reggio, na Calábria, os Argivos para a ilha de Orobe,
os Coríntios para a ilha de Egina [...] Apenas a parte oriental do Peloponeso, de
Corinto ao cabo Maleas, não fora invadida pelos Eslavónios, devido à natureza inacessível
e inóspita da região.
Existem algumas dúvidas em
relação à data exacta destes acontecimentos, mas é inegável que no final do século
VI e início do século VII, quando a fronteira danubiana entrou em completo colapso,
praticamente toda a península Balcânica escapou ao controlo imperial. Apenas
alguns postos avançados costeiros, tais como Mesêmbria no mar Negro, Tessalonica,
Atenas e Corinto, se mantiveram. Em todos os outros locais, a população antiga
procurou refúgio nas ilhas perto da costa, assim como em Monemvasia, ou emigrou
para Itália. O domínio dos bárbaros estendia-se até às defesas exteriores de
Constantinopla, as chamadas Longas Muralhas Anastasianas, que descreviam
um largo arco desde o mar Negro a Selímbria (Silivri) no mar de Mármara, mas até
estas iriam em breve ser abandonadas.
A última importante colonização
eslavónica foi a dos Sérvios e dos Croatas, que no reino de Heraclio ocuparam as
terras, onde ainda chegaram a habitar. Depois, em 680. vieram os Búlgaros
turcos e conquistaram o país ao qual deram o seu nome, e onde viriam a ser assimilados
pela população eslavónica. A barbarização dos Balcãs começou a inverter-se apenas
no final do século VIII, mas por essa altura os efeitos já se haviam tornado irreversíveis».
In
Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN
978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT