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A
Mulher que Amou Jesus
«(…) No momento, Maria lia o
poeta Alceu, lutando com o seu grego e com a pouca claridade. Fora o seu
próprio irmão Silvanus que lhe servira de cúmplice e de professor secreto de
grego. Havia dias que estava lendo um poema sobre um naufrágio. Nesse dia,
chegaria à última linha, sentindo-se triunfante. Sua frágil decisão de
abandonar a poesia grega murchara.
Nós,
neste belo navio negro,
Contra imensas ondas somos lançados,
Travando
uma luta, desesperada,
Contra
a tormenta.
As
velas, tensas, gritam, esfacelando-se,
Voando
em pedaços.
A
espuma das águas explode,
Soltam-se
as amarras das âncoras,
E uma
nova onda, maior que a primeira,
Lança-se
sobre nós, repleta de perigos,
Enquanto o navio mergulha no mar.
Fechou a folha de papiro e ficou
olhando para o lago. Influenciada pelo poema, ela via uma tempestade, ao invés
da superfície calma e pacífica da água à sua frente. Vinham à sua memória, como
ondas, as lembranças das tempestades a que já assistira naquele mesmo lago, que
podia ser forte e perigoso. Levantou-se. Logo seria noite e ela tinha de estar
dentro dos muros da cidade. Mas faltava ainda fazer uma coisa, que ela
prometera tanto tempo atrás. De dentro de um saquinho, retirou um objecto
embrulhado num pano. O ídolo. Asera. Ela o arremessaria para o lago, deixando-o
afundar para onde pudesse encantar peixes, rochas e limo.
Hesitante, pegou-o na palma da mão.
Nunca o verei de novo, pensou. Já quase nem me lembro como é, depois de tantos
anos. Não olhe, disse, decidida, para si própria. O ídolo não falou uma vez
consigo? Não se intrometeu nos seus pensamentos ainda ontem? Levou o braço bem
para trás, firmando-se para lançá-lo para o lago à maior distância que
conseguisse. Não sou assim tão fraca, zombou para si mesma. Por que ter medo de
olhar um ídolo pagão? Sinto vergonha de ter medo. E a única maneira de dominar
o medo é enfrentando-o. Se não olhar agora para o ídolo, eu lhe darei um poder
que ficará para sempre sobre mim. Lentamente, baixou o braço. Abriu a palma da
mão, deixando o embrulho ficar ali. Com a outra mão, cuidadosamente, desfez o
embrulho. Naquela luz púrpura do entardecer via novamente o rosto de marfim,
com os lábios que pareciam sorrir para ela. Baixou-se para observar melhor,
pois já estava escuro. Era tão lindo que parecia prender-lhe a respiração. Era
mais bonito que as estátuas de mármore branco de atletas que ela vira sendo
transportadas pelo lago para a cidade pagã de Hipos; mais bonito que as efígies
sensuais das moedas de Tiro que já vira no mercado, passando de mão em mão.
Seria errado destruí-lo, pensou.
Eu poderia vendê-lo ao comerciante grego que sempre passa por aqui a caminho de
Cesareia. Deve ser muito caro. E então, um pensamento repentino atravessou-lhe
a cabeça, poderia esconder o dinheiro e evitar um casamento não desejado. Rapidamente,
substituiu-o por outro, mais caridoso: poderia doá-lo para o comércio de meu
pai ou dar aos pobres. De qualquer maneira, seria um desperdício jogá-lo ao
mar. Contente por ter vencido a sua tolice, Maria guardou a pequena escultura na
sua bolsa». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência,
Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
Cortesia de SdeEmergência/JDACT