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A
lavandaria self-service do Angel
«(…) Depois ficámos em silêncio. Sem
outro som além do da água revolvida, rítmica como ondas no mar. A sua mão de Buda
pegou na minha. Passou um comboio. Deu-me um leve empurrão: Grande cavalo de ferro!,
e começámos a rir outra vez.
Faço muitas generalizações infundadas
sobre as pessoas, como achar que todos os negros gostam de Charlie Parker. Os alemães
são horríveis, todos os índios têm um sentido de humor estranho, igual ao da minha
mãe. Uma das suas preferidas é a de um tipo que está dobrado a atar o sapato e vem
outro que lhe bate e diz: estás sempre a atar o sapato. A outra é quando um empregado
de mesa deixa cair sopa no colo de uma pessoa e diz: oh, não, agora está o
caldo entornado. O Tony costumava contar-me essas, em dias calmos, na
lavandaria.
Uma vez, estava muito bêbado,
bêbado com mau feitio, e andou à luta com uns oakies (nome pejorativo dado a
trabalhadores agrícolas migrantes, vindos do centro-sul doa USA) no parque de estacionamento.
Partiram-lhe a garrafa de Jim Beam. O Angel disse que lhe pagava uma cerveja se
ele lhe desse ouvidos na sala de engomar. Passei a minha roupa da máquina de lavar
para a de secar enquanto o Angel falava com o Tony acerca do Um Dia de Cada Vez.
Quando o Tony saiu, enterrou-me as
suas moedas na mão. Pus-lhe as roupas na máquina de secar enquanto ele se debatia
com a tampa da garrafa de Jim Beam. Antes ainda de me sentar, gritou-me: sou um
chefe! Sou um chefe da tribo Apache! Mer… Mer… tu, chefe., Limitou-se a ficar sentado,
a beber, a olhar para as minhas mãos no espelho. Então porque é que lavas tu a roupa
dos apaches? Não sei por que motivo disse aquilo. Era uma coisa horrível de se dizer.
Talvez eu tenha pensado que ele se risse. Ele riu-se, em todo o caso. De que tribo
és tu, pele-vermelha?, disse ele, observando as minhas mãos a tirarem um cigarro.
Sabias que foi um príncipe quem me acendeu o meu primeiro cigarro? Dá para acreditar?
Claro que acredito. Queres lume?
Ele acendeu-me o cigarro e sorrimos um para o outro. Estávamos muito próximos e,
depois, ele apagou-se e eu fiquei sozinha no espelho. Estava lá uma rapariga, jovem,
não no espelho, sentada junto à janela. Com o cabelo a encaracolar na névoa, numa
delicadeza de Botticelli. Li todos os cartazes. Dai-me coragem, Senhor. Berço
novo, nunca usado, bebé morreu. A rapariga pôs a sua roupa num cesto azul-turquesa
e foi-se embora. Passei a minha roupa para a mesa, espreitei a do Tony e pus outra
moeda. Estava sozinha com o Tony na lavandaria. Contemplei as minhas mãos e os meus
olhos no espelho. Olhos azuis bonitos. Uma vez estive num iate ao largo de Viña
del Mar. Cravei o meu primeiro cigarro e pedi lume ao príncipe Aly Khan. Enchanté,
respondeu. Na verdade, ele não tinha lume. Dobrei a minha roupa e, quando o Angel
voltou, fui para casa. Não me lembro de quando me dei conta de que nunca mais voltei
a ver aquele índio». In Lucia Berlin, Manual para Mulheres de
Limpeza, 1977, …, 1999, Penguin Random House, 2016, Alfaguara, 2018, ISBN
978-989-665-065-0.
Cortesia de Alfaguara/JDACT