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A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Por todo o resto do dia,
enquanto o sol deslizava pelo céu e a claridade ia sumindo do lado leste de seu
quarto, Maria ficou sentada, quieta e obediente, reflectindo sobre as suas
fraquezas. Deveria ser mais obediente e ficar mais satisfeita em obedecer. Não
deveria dificultar as tentativas de seu pai de lhe encontrar um marido. Deveria
acabar com seus devaneios e dedicar-se a tarefas úteis. Não deveria ser
vaidosa, querendo passar tintura de hena nos cabelos para ficarem mais
vermelhos. Não deveria mais ler poesia grega. Era pagã e excitava. Descrevia um
mundo que lhe era proibido e que ela cobiçava. Cobiça era pecado. Jamais irá
casar se não mudar esses maus hábitos, disse para si mesma. Deverá casar-se; é
um dever para com o seu pai. Deus quer ser obedecido. O que dissera Samuel,
citando Deus? A obediência é melhor que o sacrifício.
De repente, ocorreu-lhe um
pensamento. Deus falara a Abraão, Moisés, Samuel, Salomão, Jó e aos profetas,
mas a única vez que, aparentemente, se dirigira a uma mulher era para anunciar
que ela teria um bebé! Ficou muito perturbada, embora lutasse para esquecer
aquele pensamento. Será que era verdade? Havia a história de... Eva. O que lhe dissera
Deus? Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores
darás à luz filhos. E Hagar? Estás grávida e terás um filho; darás a ele o nome
de Ismael. Nunca se dirigiu directamente a Ana ou Sara, embora lhes tenha dado
os filhos desejados, que deveriam cumprir uma promessa ou servir a Deus.
Filhos, claro. Sempre filhos. Deve ter falado com alguma mulher, pensou Maria.
Com alguma mulher, em algum lugar, numa mensagem que nada tivesse a ver com
partos. Mas não lhe ocorria nenhuma, embora tivesse ficado matutando nisso até
bem depois do pôr do sol.
E um outro pensamento veio-lhe à
cabeça. Asera é uma deusa. Uma deusa que se dirige a mulheres. Maria já levava uma vida de mulher casada, de
várias maneiras. Com treze anos de idade, um menino judeu já terminara os seus
estudos da Lei, a menos que pretendesse ser um pesquisador ou um escriba, e fazia
parte dos membros da congregação por ocasião das orações. Também nessa idade,
já havia começado a aprender um ofício, o de seu pai, ou outro qualquer. Caso
tivesse uma irmã gêmea, esta seria relegada às tarefas de ajudar em casa e
esperar para se casar. O quotidiano de Maria não era diferente do de sua mãe.
Era um trabalho pesado e maçante, pois não representava qualquer desafio, excepto
o de ter tudo pronto ao entardecer. Maria era muito eficiente e quase sempre
conseguia terminar cedo o seu trabalho, de modo a ter um pouco de tempo para
si, para fazer o que quisesse.
Gostava de caminhar na direcção
sul, para além do belo passeio de pedras que beirava o lago no centro da
cidade, e para além da barreira de rochas que se prolongavam mar adentro, como
se fossem os protectores da cidade. E também gostava de passear à beira-mar. Às
vezes, sentava-se numa rocha redonda e lisa, que ficava à beira do lago, e
ficava olhando o pôr do sol. Ao entardecer, como ao nascer do sol, o lago
parecia ter um brilho interior, como se o sol se escondesse ali. Havia sempre
um sussurro quando a brisa parava e as folhas deixavam de farfalhar, quando o
próprio dia parecia dar um suspiro como Deus o fizera no começo da criação,
murmurando: ficou bom, ficou muito bom. Depois, a noite caía rapidamente, como
se uma cortina fosse puxada, mudando a claridade de um tom róseo para malva.
Longe da confusão e do barulho da
cidade, Maria retomava a sua leitura e devorava a poesia grega e as histórias
de antigos heróis, como Héracles. Em Israel, não havia literatura popular; tudo
se referia à religião. As histórias e as canções populares eram todas de
tradição oral, não havia nada escrito; quem se interessasse por contos de
aventuras, tratados de filosofia ou história tinha de buscá-los em grego, latim
ou egípcio. E eram fáceis de encontrar nos mercados, pois eram muito procurados,
gostassem ou não disso os sábios de Jerusalém. Exemplares já gastos da Ilíada e da Odisseia, de poemas de Safo e
discursos de Cícero, da saga de Gilgamesh,
de escritos de Catulo e de Horácio eram vendidos e revendidos, mesmo nas
bancas de peixe, fora dos portões da cidade». In Margaret George, A Paixão de
Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
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