sábado, 23 de março de 2019

A Verdadeira História. Margaret George. «Como poderá ela saber? Como poderia ela saber desse segredo, desse desejo meu?, pensou Maria. Mulheres. Homens. Casamento. Amor e desejo. Filhos. Toda a mulher quer ser Raquel…»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) Mas podia ter sido deslocado por qualquer pessoa, pensou Maria. Abriu a tampa lentamente, como se receasse que uma cobra pulasse para fora. Mas não havia ali nada senão túnicas de linho, dobradas, e alguns xailes de lã grossa. Debaixo deles, alguns textos gregos que ela escondera, como se fossem perigosos. Agora com mais coragem, enfiou a mão e foi sentindo o que ali se encontrava. Nem cobras, nem escorpiões, nada de perigoso. Sentiu algo saliente e segurou-o, puxando-o para fora. Era algo embrulhado em várias camadas de pano, algo extremamente íntimo. Desfez o embrulho lentamente, apreensiva. As camadas de pano foram saindo e surgiu o rosto sorridente de Asera. Maria sentiu um sobressalto. A beleza atrevida do ídolo, que a impedira de destruí-lo, agora parecia zombar dela.
Você não tem coragem de se livrar de mim, parecia dizer. Todos aqueles profetas homens, os Jeremias, os Oseias, teriam logo acabado comigo. Mas você é mulher, e entende melhor. Entende que somos irmãs e devemos ajudar-nos uma à outra. Você me ajudou e agora eu a ajudarei. Darei tudo o que me permita dar o meu poder.
E o que seria isso?, perguntou Maria mentalmente. O que querem as mulheres? É sempre o mesmo. Querem beleza, poder sobre os homens em consequência da beleza, e garantia de segurança. É muito simples. Mas eu quero mais do que isso, pensou Maria. Quero reflectir a glória de Deus na minha pessoa, quero ser o que fui criada para ser. Não quero ser impedida de fazê-lo por coisas pequenas. Mas seduzir os homens pela beleza era tão mais natural, da parte de uma mulher. Era a tentação. Era uma ambição muito menor, e, no entanto, muito mais desejada, de várias maneiras. Nada pode acrescentar à minha beleza, nem subtrair, disse Maria em voz alta. Eu sou do jeito que sou e nada irá mudá-lo. Responda-me, diga alguma coisa diferente!, desafiou. Mas eu posso mudar a forma pela qual os outros a veem, sussurrou Asera na sua cabeça. Eles irão vê-la como a misteriosa e bela Magdalena, ou simplesmente como a Maria da família de peixeiros de Magdala? Independentemente do que eu possa ou não querer, a verdade é que a minha vida já foi decidida, respondeu Maria. E as pessoas me veem como sempre viram.
Posso mudar tudo a partir deste instante, prometeu Asera. Posso dar-lhe a beleza de uma deusa. Pelo menos, aos olhos dos outros. Então não pode mudar as minhas feições, os meus olhos ou o meu nariz?, perguntou Maria. Um homem me procurou e me escolheu, com o que viram seus olhos. Agora é tarde demais. Asera suspirou. Nunca é tarde demais, murmurou. Os mortais não compreendem isso. Para Deus, nunca é tarde demais. Javé diz que mil anos são como um dia aos seus olhos. Mas não é assim, para mim, respondeu-lhe Maria, continuando o diálogo mental. Você é uma mulher, sussurrou Asera. Eu sou uma deusa de mulheres e escolhi-a. Posso satisfazer os seus sonhos, os sonhos de ser desejável a seu marido.
Como poderá ela saber? Como poderia ela saber desse segredo, desse desejo meu?, pensou Maria. Mulheres. Homens. Casamento. Amor e desejo. Filhos. Toda a mulher quer ser Raquel, quer ser a noiva desejada. Como eu mesma quero. Todos os meus sonhos..., todos os meus desejos de beleza, conceda-os!, ordenou em voz áspera, sarcástica. Apertou os dedos em volta do ídolo, como se o asfixiasse, para lhe lembrar que detinha o poder de destruí-lo. Parecia tão leve na palma da sua mão. Faça-me bonita, faça meu marido amar-me mais do que qualquer coisa!, ordenou de novo. Então, empurrou-o para dentro do baú, bateu a tampa e arrastou-o de volta contra a parede. Não sou bonita, pensou, endireitando-se. Sei que não sou bonita. Mas como gostaria de ser, nem que fosse por um dia! Como gostaria que alguém, talvez com um novo modo de ver, me visse dessa maneira!» In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
                                       
Cortesia de SdeEmergência/JDACT