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A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Mas podia ter sido deslocado
por qualquer pessoa, pensou Maria. Abriu a tampa lentamente, como se receasse
que uma cobra pulasse para fora. Mas não havia ali nada senão túnicas de linho,
dobradas, e alguns xailes de lã grossa. Debaixo deles, alguns textos gregos que
ela escondera, como se fossem perigosos. Agora com mais coragem, enfiou a mão e
foi sentindo o que ali se encontrava. Nem cobras, nem escorpiões, nada de perigoso.
Sentiu algo saliente e segurou-o, puxando-o para fora. Era algo embrulhado em várias
camadas de pano, algo extremamente íntimo. Desfez o embrulho lentamente,
apreensiva. As camadas de pano foram saindo e surgiu o rosto sorridente de
Asera. Maria sentiu um sobressalto. A beleza atrevida do ídolo, que a impedira de
destruí-lo, agora parecia zombar dela.
Você não tem coragem de se livrar de mim, parecia dizer.
Todos aqueles profetas homens, os
Jeremias, os Oseias, teriam logo acabado comigo. Mas você é mulher, e entende
melhor. Entende que somos irmãs e devemos ajudar-nos uma à outra. Você me
ajudou e agora eu a ajudarei. Darei tudo o que me permita dar o meu poder.
E o que seria isso?, perguntou
Maria mentalmente. O que querem as
mulheres? É sempre o mesmo. Querem beleza, poder sobre os homens em consequência
da beleza, e garantia de segurança. É muito simples. Mas eu quero mais do que isso,
pensou Maria. Quero reflectir a glória de Deus na minha pessoa, quero ser o que
fui criada para ser. Não quero ser impedida de fazê-lo por coisas pequenas. Mas
seduzir os homens pela beleza era tão mais natural, da parte de uma mulher. Era
a tentação. Era uma ambição muito menor, e, no entanto, muito mais desejada, de
várias maneiras. Nada pode acrescentar à minha beleza, nem subtrair, disse Maria
em voz alta. Eu sou do jeito que sou e nada irá mudá-lo. Responda-me, diga alguma coisa diferente!,
desafiou. Mas eu posso
mudar a forma pela qual os outros a veem, sussurrou Asera na sua cabeça.
Eles irão vê-la como a misteriosa e
bela Magdalena, ou simplesmente como a Maria da família de peixeiros de
Magdala? Independentemente
do que eu possa ou não querer, a verdade é que a minha vida já foi decidida,
respondeu Maria. E as pessoas me veem como sempre viram.
Posso mudar tudo a partir deste instante, prometeu
Asera. Posso dar-lhe a beleza de
uma deusa. Pelo menos, aos olhos dos outros. Então não pode mudar as minhas feições, os meus olhos ou o meu
nariz?, perguntou Maria. Um homem me procurou e me escolheu, com o que viram seus
olhos. Agora é tarde demais. Asera suspirou. Nunca é tarde demais, murmurou. Os mortais não compreendem isso. Para Deus, nunca é tarde
demais. Javé diz que mil anos são como um dia aos seus olhos. Mas não é assim,
para mim, respondeu-lhe Maria, continuando o diálogo mental. Você é uma mulher, sussurrou
Asera. Eu sou uma deusa de mulheres
e escolhi-a. Posso satisfazer os seus sonhos, os sonhos de ser desejável a seu marido.
Como poderá ela saber? Como
poderia ela saber desse segredo, desse desejo meu?, pensou Maria. Mulheres.
Homens. Casamento. Amor e desejo. Filhos. Toda a mulher quer ser Raquel, quer
ser a noiva desejada. Como eu mesma quero.
Todos os meus sonhos..., todos os meus desejos de beleza, conceda-os!, ordenou
em voz áspera, sarcástica. Apertou os dedos em volta do ídolo, como se o
asfixiasse, para lhe lembrar que detinha o poder de destruí-lo. Parecia tão
leve na palma da sua mão. Faça-me bonita, faça meu marido amar-me mais do que
qualquer coisa!, ordenou de novo. Então, empurrou-o para dentro do baú, bateu a
tampa e arrastou-o de volta contra a parede. Não sou bonita, pensou,
endireitando-se. Sei que não sou bonita. Mas como gostaria de ser, nem que
fosse por um dia! Como gostaria que alguém, talvez com um novo modo de ver, me
visse dessa maneira!» In Margaret George, A Paixão de
Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
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