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e cortesia de wikipedia
«(…)
A noite estava amena e Tranan, o director do Tesouro, saboreava a sua boa
sorte. Sentado por baixo da palmeira mais alta do seu jardim, via aproximar-se
o triunfo. Aos cinquenta e quatro anos, ocupava um dos postos mais em evidência
do governo de Piankhi e vivia numa magnífica villano centro da cidade que um rico nobre tebano não
teria desdenhado. Esposo feliz, pai de cinco filhos, tinha feito toda a sua
carreira na administração de Napata e deveria satisfazer-se com a sua
confortável situação. Mas era um dos raros dignitários a conhecer os
verdadeiros recursos do reino de Piankhi, cuja pobreza era apenas aparente.
Modestas culturas ao longo do Nilo, produtos da pesca e da caça, tâmaras... O
inventário das riquezas naturais fazia-se depressa e podia-se concluir que Napata
era a capital de uma região miserável. Seria esquecer a maravilha que o país
núbio oferecia ao seu soberano: o ouro. Um ouro abundante e de bela qualidade.
Se outrora os reis do Egipto tinham colonizado a Núbia, fora com a intenção de
se apoderarem do precioso metal.
Actualmente, era o soberano negro
que exercia a sua soberania sobre a exploração mineira e que possuía a
totalidade da produção: assim eram suprimidas rivalidades e cobiças. Mas como
utilizava Piankhi essa fortuna colossal? Dava-a ao templo de Amon e servia-se
dela para prover ao bem-estar da população. O director do Tesouro já não
suportava aquela política. Um soberano que se esquecia de enriquecer era um
fraco que, mais cedo ou mais tarde, merecia ser eliminado. No seu lugar, Tranan
teria dado ao povo o mínimo e levado uma grande vida em companhia dos seus
próximos. Como a mulher começava a envelhecer, proporcionaria a si próprio
jovens cortesãs e viajaria muito para ser admirado por príncipes estrangeiros
durante faustosos banquetes.
Com Piankhi, o futuro estava
bloqueado. Agarrado à sua Montanha Pura, ao seu templo de Amon e à sua capital,
o faraó negro não tinha espírito empreendedor nem qualquer sentido comercial.
Chegara a hora de proceder a uma mudança radical de política. O mordomo de
Tranan trouxe-lhe uma taça de vinho fresco e bolos de mel. A vossa esposa
espera-vos para o jantar, senhor. Ela que jante com as crianças e não me
aborreça. Quando o meu visitante chegar, trá-lo para a sala de massagens e que
ninguém nos interrompa. Tranan não podia agir só. É verdade que tinha o apoio
de alguns cortesãos, mas farejariam o chão em frente de Piankhi se este
elevasse a voz. Em contrapartida, uma das esposas secundárias, posta de parte
pelo seu real esposo, sonhava vingar-se e estava suficientemente enraivecida
para querer satisfazer a sua paixão destruidora. E Tranan disporia de um apoio ainda
mais precioso: o do obeso personagem que acabava de entrar na sala de
massagens.
Coberto de colares e de
anéis de ouro maciço, Otokou pesava cento e sessenta quilos e mesmo mais depois
das suas orgias de carnes, molhos espessos e pastéis de creme. Até a sua túnica
era bordada de ouro e ninguém tinha o direito de lhe tocar sob pena de receber
uma pancada fatal da sua maça de ouro. É que Otokou era o chefe da mais
longínqua tribo da Núbia a maior parte de cujos membros se ocupava da extracção
de ouro de primeira qualidade de uma gigantesca mina. Há já muito tempo que
jurara felicidade ao faraó negro. Com o tempo, o seu juramento perdera o
brilho.
Tendo em consideração o carácter
colérico de Otokou, o director do Tesouro tinha-o abordado por meio de pequenos
toques, com a mais extrema prudência, para conquistar progressivamente a sua
confiança. Felizmente, o obeso apreciava presentes, em particular os cofres de
madeira de ébano e as echarpes de lã que enrolava no pescoço de touro quando as
noites refrescavam. A verdadeira tentação de Otokou eram as massagens. Durante
várias horas por dia, entregava o corpo rotundo a mãos hábeis que o faziam
estremecer de bem-estar. Quando Tranan lhe contara que tinha acabado de
contratar uma massagista de notável talento, o obeso não descansara enquanto
não a conhecera.
O
costume da sua tribo exigia que Otokou não poisasse o pé em terra na presença
de um inferior. Como o seu único superior era o faraó negro, o obeso foi
introduzido em casa de Tranan numa cadeira de madeira dourada transportada com
dificuldade por quatro robustos rapagões. A vossa visita honra-me ao mais alto
ponto, senhor Otokou declarou Tranan, que sabia a importância que o seu
visitante dava aos sinais de consideração. Tanto melhor, tanto melhor... Tenho
dores nas costas. Ocupem-se de mim imediatamente. Era necessário subir três
degraus que exigiram um rude esforço dos transportadores. Foi com uma certa
graça, comparável à de um elefante a ajoelhar-se, que o seu senhor conseguiu deitar-se
de barriga para baixo, enquanto um servidor lhe colocava uma almofada dourada por
baixo do estômago. Onde está essa massagista que me prometeste? Ei-la, senhor».
In Christian Jacq, O Faraó Negro, 1997, Bertrand Editora, 1998, ISBN
978-972-251-049-3.
Cortesia
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