Cortesia
de wikipedia e jdact
As
Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248)
Com
a devida vénia a José Varandas
«(…) Como a constituição e
afirmação do grupo nobiliárquico, nos seu expoentes político e económico, se
encontra directamente com a formação do próprio poder régio, a Crise que abalou
o País durante o reinado de Sancho II certamente se relacionará com alterações
produzidas no quadro das relações entre a nobreza e o rei, e entre este e
outras instituições imbuídas de poder e que formam o conjunto do reino. Mas não
é apenas no processo institucional das relações entre os nobres e a Coroa que
se vislumbra a perturbação sistemática do processo político em curso. Com
efeito, a discordia, que
transversalmente afecta a gestão régia de Sancho II, e que se traduz por um assalto
da aristocracia, em luta entre si, contra a instituição monárquica, é ampliada
pela contestação desenvolvida por outras estruturas da sociedade portuguesa
coeva. Tal contestação é bem expressa no descontentamento progressivo do clero
e nas reclamações por justiça, a um rei que parece incapaz de a assegurar, por
parte dos representantes das estruturas municipais portuguesas.
São bem evidentes estas queixas e
perturbações no espólio de documentos que o reinado de Sancho II produziu,
transmissores sintomáticos de uma profunda crise política, institucional e
social em que o País mergulhou e onde a monarquia se debate. Eram tempos de ...roubo e malfeitoria…, expressões
constantes nos documentos que traduzem um estado de agitação e violência, que
acabam por precipitar o País numa guerra civil, travada entre os partidários do
rei e aqueles que contra a realeza se manifestavam, ou melhor, aqueles que se
perfilavam contra a centralização do poder levada a cabo pelo rei e sua cúria. Mas
o reinado de Sancho II marca, também, o predomínio dos cavaleiros cristãos nas
terras alentejanas. O esforço de guerra que, nos reinados anteriores, serviu para
garantir ao monarca, através do alargamento dos seus domínios, um controlo razoável
das tensões aristocráticas, parece agora não se revelar tão eficaz, no sentido
de debelar um cada vez maior sentimento de revolta contra o poder régio.
É o quadro destas instabilidades
que pretendemos estudar. As suas origens, os seus processos evolutivos, o
estado e a forma das instituições políticas na transição do poder de Afonso II
para Sancho II e subsequentemente para Afonso III, a acção da cúria régia, como
órgão fundamental na estratégia da acção do Estado e no controlo da sociedade
portuguesa de meados do século XIII. Da guerra nos campos do Alentejo e a
tentativa de controlo das passagens algarvias, contra um inimigo comum, à luta
civil que leva à deposição do rei, pretendemos observar o quadro de tensões e
fracturas que caracterizaram este reinado e que marcam o Portugal de 1223 a
1248 como um País onde ocorre uma grave crise política. E se a visão interna
nos orienta a curiosidade, também não podemos deixar de fora o contexto
internacional e a dinâmica de uma Cristandade da qual o reino português faz
parte. A dinâmica relacional com as monarquias peninsulares, os conflitos e as composições
entre este Centro nacional e a Santa Sé, a observação comportamental dos diferentes
universos políticos, entre os quais Portugal se coloca, a influência e
introdução progressiva de novos sistemas de organização política e social, a
turbulência do sistema dualista, caracterizado pelo diálogo interminável entre
o modelo canónico e o direito civil, herdeiro do sistema romano, são aspectos
que nos prendem e que se tornam vitais e funcionais na percepção do conflito
funcional do rei. Bonus rex,
rex inutilis, duas faces, cada
uma delas possível de ser aplicada aos soberanos, cada uma delas observável nos
documentos e nas narrativas que impregnam este reinado. Cada uma delas
disputada por este rei, um dos mais obscuros da nossa história, mas um dos que
levou mais longe o estandarte do reino e também o único a ser vítima de um
conceito de poder superior. Como mais alguns reis do seu tempo, e até
imperadores, Sancho II de Portugal travou conhecimento de muito perto com a
teoria da superioridade papal sobre as administrações civis. Soube, de facto, o
significado do conceito de Plenitudo
Potestatis. Rex inutilis?
Veremos.
Sancho
II de Portugal. Um Conspecto Historiográfico
Qual
é a memória que nos resta de Sancho II, o quarto rei de Portugal? Da sua vida,
dos seus feitos, da sua governação, das suas desditas, do seu fim? Existe uma necessidade
imperiosa: a da reconstituição, a mais rigorosa possível, daqueles tempos e do
que neles sucedeu. E se não conseguimos apreender a vida, tal como ela era, as
suas palpitações, as suas tragédias, o seu quotidiano pleno, cheio de acções e
sensações, podemos pelo menos procurar compreender e explicar alguns comportamentos
e atitudes do colectivo português durante grande parte da centúria de Duzentos.
E podemos fazê-lo com os textos e fontes escritas, mais ou menos coevas, e com
as interpretações que as várias décadas de interpretação e síntese histórica
foram capazes de produzir sobre aquele rei e as variadas peripécias do seu
reinado. E estas interpretações, por vezes tão diferentes, permitem-nos
assentar, desde já num primeiro problema em torno deste reinado: o problema
historiográfico». In José Varandas, Bonus Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro.
Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248), Ude Lisboa, FdeLetras,
DdeHistória, Tese de Doutoramento em História, História Medieval, 2003, Wikipedia.
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