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Amavisse
[…]
Há um incêndio de angústia e de
sons
Sobre os instentos. E no corpo da
tarde
Se fez uma ferida. A mulher
emergiu
Descompassada no de dentro da
outra:
Uma mulher de mim nos incêndios
do Nada.
Tinha o dorso de uns rios:
quebradiço
E terroso. O peito carregado de
ametistas.
Uma mulher me viu no roxo das
ciladas:
Esculpindo de novo teu rosto no
vazio.
Os ponteiros de anil no esguio
das águas.
Tua sombra azulada repensando os
rios
E agudíssimas horas atravessando
o leito
Das barcaças.
Tem sido noite extrema. Finos
fios
Sulcando de sangue as esperanças.
Os ponteiros de anil. Nossas duas
vidas
Devastadas,
num lago de janeiros.
Se tivesse madeira e ilusões
Faria um barco e pensaria o
arco-íris.
Se te pensasse, amigo, a Terra
toda
Seria de saliva e de chegança.
Te moldaria numa carne de antes
Sem nome ou Paraíso.
Se me pensasses, Vida, que
matéria
Que cores para minha possível
sobrevida?
Extrema, toco-te o rosto. De ti
me vem
À ponta dos meus dedos o ouro da
volúpia
E o encantado glabro das avencas.
De ti me vem
A noite tingida de matizes,
flutuante
De mitos e de águas. Inaudita.
Extrema, toco-te a boca como quem
precisa
Sustentar o fogo para a própria
vida.
E húmido de cio, de inocência,
É à saudade de mim que me
condenas.
Extrema, inomeada, toco-me a mim.
Antes,
tão memória. E tão jovem agora».
[…]
Hilda
Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa Duarte,
Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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