Cortesia
de wukipedia e jdact
«(…) Fossaway
Manor, corrigiu ele. Não fuja do assunto. Fale. Estou contando os dias, disse
ele. Sim. Ele retirou uma cigarreira de prata do bolso, escolheu um cigarro e
acendeu-o. Querida Leslie..., começou ele, mas ela abanou a cabeça. Estava
muito séria agora. Pensa que vou interferir..., nas coisas? Na administração da
propriedade? Eu sei que o pobre Harry não conseguiria gerir nem uma fazenda
pequena, mas acho que está enganado. Ele soprou a fumaça para o ar antes de
responder. Quem me dera que administrasse a propriedade, disse calmamente. Para
mim seria uma bênção. Não, não estou preocupado com isso. Com o seu dinheiro,
desculpa a brutalidade, a propriedade não conta. Um capataz poderá tratar disso
tão bem como um segundo filho.
Ele falou sem
acidez, sem ponta de autocomiseração, e ela manteve-se silenciosa. Ele era
filho de um segundo casamento, e isso tornava as coisas piores. Quando o velho
lorde Chelford seguira a mãe de Dick para o túmulo, o que dizia respeito ao
segundo filho ficara para ele. A propriedade, o título, o carro que utilizava
como sendo seu, tudo lhe fora retirado. Uma pequena propriedade em
Hertfordshire que lhe dava duzentas libras por ano, algumas jóias da sua mãe e
mil libras tinham-lhe calhado por ser o segundo filho. Mas as mil libras nunca
as recebera. De uma forma estranha, tinham sido engolidas. Mr. Arthur Gine
tratava da propriedade. De qualquer maneira, Dick sentia-se melhor quando não
pensava nas mil libras. Contudo, por qualquer razão, pensava nelas naquele
momento, e, como se ela lesse os seus pensamentos e avaliasse a reserva dele em
relação ao seu irmão, perguntou: não gostas de Arthur, não é? Por que pergunta
isso?, disse ele com genuína surpresa. Nunca mostrara a sua aversão por aquele
advogado embonecado. Eu sei, disse ela. Ele às vezes também me exaspera e
compreendo que um homem como você o deteste.
Dick sorriu. De
qualquer modo, Harry não o detesta e é ele quem conta. Ela olhou para ele. Nem
me parece verdade que vou casar, foi um pedido tão engraçado. Harry foi tão
educado, tão formal, tão irreal. Acho que se houvesse sido feito de outra
maneira... Ela abanou a cabeça. Dick pensou como é que o irmão a teria pedido
em casamento: Harry era de certa forma um novato no jogo do amor; tivera em
tempos uma bela secretária e numa tarde quente de Junho, Dick interrompera o
que fora uma proposta da empreendedora jovem. E o perturbado Harry teria
concordado com as sugestões matrimoniais dela, só que Dick interferira e a
calculista miss Wenner deixara Fossaway Manor apressadamente. Ele lembrava-se
disto. Suponho que se ele te tivesse pedido de uma forma convencional tu não o
terias aceitado? Não sei, disse ela com ar de dúvida. Mas foi estranho. Gosto
muito do Harry. Às vezes pergunto-me se ele gostaria de mim se eu..., não
acabou a frase. Se não fosses tão terrivelmente rica? Dick sorriu. Não estás a
fazer uma grande ideia dele. Ela estendeu-lhe as mãos, e ele ergueu-a; embora
não houvesse necessidade, já que ela era habitualmente uma jovem muito ágil. Dick,
disse ela enquanto caminhavam lado a lado em direcção à estrada, que faço?
Em relação a
quê?, perguntou ele. Em relação ao Harry e a tudo. Ele não respondeu. Arthur
está muito empenhado em que eu case, disse ela. E eu não sou contra, pelo menos
acho que não. Suponho que a maioria das moças da minha posição arranjam os seus
casamentos da mesma forma do que o meu, e até há pouco tempo aceitei esta ideia
como inevitável. E porque mudou agora de ideias?, perguntou ele directamente, e
viu-a corar. Não sei. A resposta dela foi curta, quase brusca. E então ela
reparou no olhar dele, reparou no desespero daquele olhar. E de repente a
verdade surgiu-lhe. Por qualquer razão que não soube explicar, ficou de repente
sem fôlego e com dificuldade em falar. Parecia-lhe que o bater do seu coração
era audível e tentou desesperadamente readquirir o controle. Aos seus olhos
apareceu a imagem nítida do noivo, o jovem magro e irritável. Uma criatura de
nervos à flor da pele, que ora pedia, ora ordenava, sem se importar com a
impressão causada na mulher com quem iria partilhar a vida. E desta imagem
mental os seus olhos passaram mecanicamente para o homem que tinha ao lado:
calmo, sereno, irradiando força e segurança». In Edgar Wallace, O Padre Negro,
1926/1927, Publicações Europa-América, 1985, ISBN 978-972-101-690-3.
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