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Amavisse
[…]
«Outeiros, átrios, pombas e
vindimas.
Em algum tempo
Vivi a eternidade dessas rimas.
Pastora, entre os animais é que
cresci. E lhes pensava
O pêlo e a formosura. Senhora,
tive a casa
Daqueles da minha raça.
Agrandados vestíbulos
E aves e pomares, e por
fidelidade pereci.
De humildes aldeias e de casas grandes
Translitei entre as vidas. Depois
amei
Extremente e soturna. A quem me
amava matei.
Por isso nesta vida temo o amor e
facas.
Por isso nesta vida
Canto canções assim tão
compassivas
Na língua esquecida.
Paliçadas e juncos
E agudos gritos de um pássaro nos
alagadiços.
Tem sido este o tempo de
prenúncios.
Tecida de carmim no traçado das
horas
A vida se refaz:
Um risco de sorriso nos olhos
luminosos
Um
ter visto
O traçado do extenso no
inatingível Paraíso.
e de novo, no instante
Paliçadas e juncos.
E
agudos gritos de um pássaro nos alagadiços.
Devo viver entre os homens
Se sou mais pêlo, mais dor
Menos garra e menos carne humana?
e não tendo armadura
E tendo quase muito de cordeiro
E quase nada de mão que empunha a
faca
Devo continuar a caminhada?
Devo continuar a te dizer
palavras
Se a poesia apodrece
Entre as ruínas da Casa que é a
tua alma?
Ai, Luz que permanece no meu
corpo e cara:
Como
foi que desaprendi de ser humana?
As barcas afundadas. Cintilantes
Sob o rio. E é assim o poema.
Cintilante
E obscura barca ardendo sob as
águas.
Palavras
eu as fiz nascer
Dentro da tua garganta.
Húmidas algumas, de transparente
raiz:
Um molhado de línguas e de
dentes.
Outras de geometria. Finas,
angulosas
Como são as tuas
Quando falam de poetas, de
poesia.
As barcas afundadas. Minhas
palavras.
Mas poderão arder luas de
eternidade.
E doutas, de ironia as tuas
Só
através da minha vida vão viver».
[…]
Hilda
Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa Duarte,
Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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