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destas cidades restarão o vento que as atravessa… In Bertolt Brecht
Parma.
1248
«(…) Depois de mandar matar o
armeiro, Ezzelino começou a procurar o negociante. Os seus espiões haviam
referido que, com toda a probabilidade, o homem se refugiara em Milão, onde
mantinha comércio junto com um parente. Num primeiro momento, Frederico pensou
em enviar um dos seus sicários para capturá-lo, mas depois mudou de ideia:
aquela cidade, desde sempre inexpugnável, já lhe criara problemas demais. Seria
melhor não divulgar a notícia da descoberta, e o vicário imperial era a pessoa
mais adequada para manter a necessária discrição sobre toda a coisa. Além
disso, para um homem que se rodeava de músicos e poetas e que gostava de
conservar volumes raros e preciosos na sua biblioteca, seria uma honra executar
aquela tarefa delicada em favor do imperador. Este ainda recordava a requintada
feitura do afresco que Ezzelino mandara pintar no palácio de Bassano. Ao vê-lo,
não conseguira evitar perguntar-se como era possível que na alma de um tirano tão
feroz se alojasse tão grande sensibilidade para as artes liberais. Espantara-se
naquele momento, mas agora aquela familiaridade com pintores e miniaturistas lhe
seria útil: uma vez que tivesse nas mãos o tratado, Ezzelino seguramente encontraria
alguém capaz de verificar se se tratava do original. De facto, pelo que Frederico
sabia, nos nove meses passados após o furto os pergaminhos podiam ter sido
copiados.
Estava seguro de ter feito a
coisa certa: a fidelidade de Ezzelino era indiscutível, assim como a sua aversão
ao papa. Um arrepio percorreu a espinha do imperador: aquele idiota arrogante!
Se viesse a saber do manuscrito, Inocêncio IV lhe lançaria uma nova excomunhão:
podia apostar que aquelas linhas usadas para ilustrar a vida das aves de rapina
o irritariam profundamente. Como poderia o pontífice, que como todos os seus
predecessores atribuía qualquer acidente natural à vontade divina, compreender
a importância da observação científica? O que sabia dos precedentes tratados
redigidos por estudiosos árabes sobre aquela matéria fascinante? Como podia
imaginar a alegria do falcoeiro ao criar o pintainho até vê-lo tornar-se um
falcão majestoso, capaz de voar milhas e depois voltar ao punho do seu dono com
a presa ainda intacta no bico? Não, Inocêncio jamais compreenderia.
Havia anos, mandava fechar as
escolas que ele, Frederico, tinha aberto, fazia perseguir por heresia médicos,
astrólogos, homens de letras, repetia que era a Igreja quem tinha o primado
sobre a ciência, como se esta última fosse uma sórdida forja geradora de demónios!
Mas por que, meu Deus, aqueles malditos padres eram tão intolerantes com quem
pretendesse usar a razão para explicar os fenómenos naturais? Por acaso era a
vontade divina que os fazia comer, beber, arrotar, urinar, defecar? Levantou-se
num salto. Sou eu o único rei!, gritou para a tenda vazia. Fui eu a ser
consagrado com ceptro, anel e coroa, sou eu o ungido do Senhor, e não aquele
maldito! Foi Deus quem me concedeu o privilégio do comando e eu o exercerei até
ao meu último suspiro, com fé e razão! Pressionou com força as mãos sobre a
escrivaninha: a raiva o fazia tremer. Respirou profundamente, até que o tremor
cessou. Em seguida, em longos passos, saiu para a esplanada onde estava montado
o acampamento». In Valeria Montaldi, O Manuscrito do Imperador, 2008, Grupo Editorial
Record, 2011, ISBN 978-850-108-703-4.
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