sábado, 21 de setembro de 2019

A Verdadeira História. Margaret George. «Maria viera caminhando devagar, pelas ruas, adiando o encontro o máximo que podia. Passou por várias pessoas que conhecia, e fez questão de parar e conversar com cada uma delas…»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) Primeiramente, esses métodos eram utilizados com sardinhas, o peixe que constituía a base alimentar de toda a região. As sardinhas eram pequenas e fáceis de ser tratadas: os peixes maiores, que não podiam ser preservados, deviam ser consumidos rapidamente. Mas as sardinhas eram susceptíveis de serem tratadas e eram enviadas, preservadas, para Roma, onde se dizia que eram consideradas um prato requintado, servido, inclusive, à mesa do imperador. Certa vez, Natã recebera uma encomenda da casa do imperador Augusto, e guardara o pedido escrito, como lembrança. Cerca de 15 empregados encarregavam-se do trabalho pesado, desde a disposição dos barris até ao processo de salgar e, depois, colocar o peixe em frascos. Nos meses mais quentes, o cheiro era bastante forte dentro do armazém; só aguentava trabalhar ali quem tivesse um estômago forte. Hoje, estava relativamente fresco e o vento, que entrava pelas portas abertas, levava o cheiro em direcção ao lago.
Maria viera caminhando devagar, pelas ruas, adiando o encontro o máximo que podia. Passou por várias pessoas que conhecia, e fez questão de parar e conversar com cada uma delas enquanto pensava: pelo menos, não terei que sair daqui e perder de vista todas estas pessoas que conheci a vida inteira, todas estas mulheres. Pelo menos, sou grata por isso. E Joel não era um pastor, ou um caixeiro-viajante ou um contador da casa real, profissões que implicariam uma mudança brusca no seu modo de vida. O trabalho de pastor de ovelhas, além de ser duro, fedia e, com todo o respeito pelo rei David, não era um modo de vida muito atraente. O trabalho do caixeiro exigia ficar constantemente barganhando preços para conseguir algum lucro nas mercadorias compradas, assim como exigia viajar o tempo todo. Quanto a trabalhar na casa do rei, Herodes Antipas, e embora este fosse mais humano que seu pai, o rei Herodes, cruel e imprevisível, sua proximidade e seus vínculos com Roma incomodavam os judeus que ali serviam. Dizia-se que, dependendo da pessoa a quem ele queria agradar, poderia ser um judeu ou um pagão. Era ele, no entanto, o único intermediário entre os galileus e o poder romano.
Não dava para adiar mais. Maria estava em frente à grande casa de pedra onde ficava o comércio de peixe da família. Endireitou os ombros. Entrando e saindo pela porta principal, trabalhadores que ela conhecia desde criança empurravam barris e carroças, mas ela nem olhava para eles. Tinha de ir lá dentro; tinha de falar com ele. Entrou. Estava escuro e demorou um pouco para os seus olhos se acostumarem. Formas pouco nítidas, que se moviam, foram-se transformando em homens. Silvanus estava em pé, junto a um monte de sal que tinha sido descarregado num dos cantos do galpão. Tinha um bloco na mão e discutia números com outro homem. Outros homens moíam o sal grosso.
E então Maria viu Joel, junto a uma fileira de ânforas de barro que seriam enchidas com o molho usado pela família, receita que ficara famosa, para a preservação do peixe. Havia dois tipos desse molho: um para os pagãos e outro estritamente kosher. Muita gente fazia esse molho, mas o de Magdala era tido como excelente e sua qualidade tornara famosa a família de Maria. Lá está ele, pensou Maria. Eu o ficarei procurando pelo resto de minha vida, no armazém, na rua, em casa. Ele é..., atraente. Alto e esbelto. E parece, mas, antes que pudesse continuar com as suas elucubrações, Joel a viu. Seu rosto iluminou-se e correu para ela. Obrigado por ter vindo, disse, aproximando-se. Ela só acenou com a cabeça, pois, de repente, sentiu que não conseguia falar. Limitou-se a ficar olhando para ele, sem avaliar aquela pessoa, o que sempre fazia em outras situações. Também um pouco atrapalhado, ele parou na sua frente. Sei que isso é difícil, disse. Embora nos tenhamos encontrado por várias vezes... Não demos atenção um ao outro, disse Maria, terminando a frase para ele. Eu dei, disse ele. Ah. Vamos lá para fora, disse Joel. Com um gesto, apontou as movimentadas idas e vindas no armazém, assim como a atenção que prestavam alguns dos outros, que poderiam estar suspeitando. Por um instante, Maria hesitou, pois desejava a protecção das outras pessoas presentes. Depois, seguiu-o». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
                                       
Cortesia de SdeEmergência/JDACT