Cortesia
de wikipedia e jdact
«Não
acredito! No chão jazes agora, com as cinco pétalas murchas enroladas sobre si
mesmas, como que suavemente amortalhadas, a esconder o orgulhoso filete de
cinco resplandecentes anteras amarelas que ainda ontem se mostrava ufano no seu
esplendor, numa sedução de mui gulosos insectos, dir-se-ia. Saudei-te ontem,
quando, no meio do verde vistoso das folhagens, desabrochavas essas pétalas,
também elas a ostentar um amarelo-torrado bem vistoso. Efémera foi, pois, a tua
existência, flor! E, agora reparo, já em teu lugar, num caule ao lado, outro
botão surgiu, numa esperança de amanhã ser ele a deliciar-nos a vista!
E dei comigo a reflectir na lição:
resplandeceu, deu o que tinha a dar e, passado o seu tempo, serenamente, caiu
no mármore do jardim, à espera que a recolhessem e lhe dessem o destino
habitual, o regresso à terra, no desejo de a fertilizar. Assim o Poeta. Como o
pintor, o fotógrafo, o músico... Na captação do momento significativo e
significante do dia-a-dia, que o caminho se faz por entre a vida, escreve António
Salvado.
Não, não sou poeta! Gosto, porém,
de saborear as palavras bem escritas! Por dever de ofício, dado que a Associação
Cultural de Cascais a que pertenço se dedicou a divulgar poetas ditos populares,
leio e releio poemas e até ouso escrever prefácios e fazer apresentações. Ousadia
pura, já sei! Designadamente a partir do dia em que, já muitas rimas me haviam
passado pela mão, propus a um colega que, se lhe aprouvesse, diligenciasse no
sentido de se publicar num jornal singela nota de leitura acerca de um livro de
poemas seu. Não lhe aprouve, porque, esclareceu-me, para eu compreender a sua
poesia, teria de a ler e meditar toda, todos os livros que publicara!...
Reduzi-me, pois, à minha
insignificância, garanti-lhe que doravante não mais quereria fazer o papel do
sapateiro que pretende ir além da sua chinela. De novo me surgiu o dilema
agora, quando me foi comunicado este honroso convite! Que vou eu dizer? Nada
sei de terminologias técnicas, daquelas frases plenas de teoria e de mui
elaborados conceitos, eu que, mais do que nas Universidades oficiais, venho
diariamente aprendendo naquilo que amiúde se exara no facebook: formado na Universidade da Vida! E, por outro
lado (o que é ainda mais grave!...), que li eu do vastíssimo reportório de António
Salvado? Nada, praticamente nada! Rematada é a ousadia, por conseguinte, que só
enorme complacência se arriscará a perdoar!
Que me seduz nos Poetas? Essa sua
enorme capacidade de captarem o instante. Leio amiúde Poesia – III, de José
Gomes Ferreira. Encanta-me, por exemplo, a canção daquela borboleta verde que
vi, há momentos, aturdida num passeio de Campolide:
Borboleta verde,
aqui não há flores.
procuras nas pedras
jardins interiores?
E pergunta-lhe, ainda, se procura
perfumes dormidos ou flores geladas para, no fim, lhe declarar:
Borboleta
verde,
chama
quase morta.
Também
eu, também,
aos
tombos nas pedras,
não
encontro a Porta.
De insignificante pormenor se faz
meditação, se tiram lições, se buscam sentidos… O hibisco há pouco, a borboleta
agora! Ao andar, nos encontramos connosco e com os outros. E também com o
Outro, Deus, na Sua dimensão imprescindível, queira-se ou não. Encontro que António
Salvado fortemente consciencializa em Na
Sua Mão Direita, um livro deveras especial, impregnado de ressonâncias
bíblicas: a evocação dos
apóstolos Paulo, Pedro e Judas
numa procura de perdão; a água niveal de Siloé, símbolo da purificação por que
se anseia; a via-sacra da vida, noite amarga em busca de um som de claridade
que anime e revigore…» In José d’Encarnação, A Lição do Hibisco ou a Espiritualidade do
Poeta, António Salvado, O Caminho se Faz por Entre a Vida, Colóquio, RVJ
Editores, 2017, ISBN 978-989-828-984-1.
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