terça-feira, 17 de março de 2020

A Abadia de Northanger. Jane Austen. «Pelo que tive oportunidade de julgar, parece-me que o estilo habitual de redigir cartas entre as mulheres é perfeito, excepto por três detalhes»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Deverei ser nada além de uma triste figura em seu diário, amanhã. Meu diário?! Sim, sei exactamente o que você dirá: Sexta-feira, fui aos Salões Inferiores. Vesti o meu roupão de seda enfeitado de ramos com detalhes azuis, sapatos pretos lisos que pareceram cair muito bem, mas fui estranhamente incomodada por um homem pouco genial e esquisito, que me fez dançar com ele e me agoniou com as suas parvoíces. Na verdade, não devo dizer tais coisas. Devo-lhe dizer o que você diria? Se quiser. Dancei com um jovem muito agradável, apresentado pelo senhor King. Conversei muito com ele e me pareceu ser um génio dos mais extraordinários. Espero que eu conheça mais dele. Isso, madame, é o que desejo que escreva. Mas, talvez, eu não tenha diário algum.
Talvez você não esteja sentada nesta sala, e eu não esteja sentado com você. Estes são pontos em que a dúvida é igualmente possível. Não manter um diário! Como as suas primas ausentes vão entender o tom da sua vida em Bath, sem um diário? Como as civilidades e os feitos de cada dia serão relatados como devem, a menos que sejam anotados a cada noite num diário? Como serão relembrados os seus vários vestidos e o estado particular do seu semblante e os cachos dos seus cabelos, descritos em toda a sua diversidade, sem recorrer constantemente a um diário? Querida madame, não sou tão ignorante dos modos das jovens damas como você supõe acreditar. É este delicioso hábito de manter um diário que em muito contribui para formar o fácil estilo de escrever pelo qual as damas são geralmente celebradas. Todos concordam que o talento de escrever agradáveis cartas é peculiarmente feminino. A natureza pode ter feito algo, mas estou certo de que deve ter sido essencialmente ajudada pela prática de manter um diário.
Penso, às vezes, disse Catherine hesitante, se as damas realmente escrevem cartas melhor do que os cavalheiros! Quero dizer, eu não diria que a superioridade esteja sempre ao nosso lado. Pelo que tive oportunidade de julgar, parece-me que o estilo habitual de redigir cartas entre as mulheres é perfeito, excepto por três detalhes. E quais são eles? Uma deficiência geral de assunto, uma total falta de atenção à pontuação e uma ignorância muito frequente de gramática. Realmente! Não preciso temer o elogio. Você não tem uma ideia muito boa de nós, nesse sentido. Não deverei mais estabelecer como regra geral que as mulheres escrevem melhores cartas que os homens, que elas cantam melhores duetos ou desenham melhores paisagens. Em cada poder, no qual o gosto é a base, a excelência é muito bem dividida entre os sexos.
Foram interrompidos pela senhora Allen: minha querida Catherine, disse ela, retire este alfinete de minha capa. Temo que já tenha feito um furo. Ficarei muito triste se for o caso, pois este é o meu vestido favorito, embora não custe mais do que nove xelins a jarda. Era exactamente isso o que eu teria achado, madame, disse o senhor Tilney, olhando para a seda. Você entende de seda, senhor? Particularmente bem. Sempre compro as minhas próprias gravatas, e me permito ser um excelente juiz. E minha irmã, às vezes, confia-me a escolha de um vestido. Comprei um para ela outro dia, e me disse que foi uma compra prodigiosa por todas as damas que o viram. Não dei mais que cinco xelins por jarda por ele, e era uma verdadeira seda indiana.

A senhora Allen estava bastante surpresa com o seu génio. Os homens geralmente dão tão pouca atenção a estas coisas, disse ela; não consigo fazer com que o senhor Allen distinga um vestido de outro. Você deve ser um grande conforto para a sua irmã, senhor. Espero que sim, madame. E, por favor, senhor, o que acha do vestido da senhorita Morland? É muito bonito, madame, disse ele, examinando-o gravemente. Mas não acho que a lavagem o fará bem. Temo que ele desfie. Como pode, disse Catherine, rindo, ser tão... Ela quase disse estranho». In Jane Austen, A Abadia de Northanger, 1802/1817, Relógio d’Água, 2016, ISBN 978-989-641-596-9.


Cortesia rd’Água/JDACT