quarta-feira, 1 de julho de 2020

O Afegão. Frederick Forsyth. «Durante a busca nas casas e propriedades dos homens-bomba, a polícia encontrou um verdadeiro tesouro que preferiu não revelar à imprensa»

Cortesia de wikipedia e jdact

Stingray
«Se o jovem guarda-costas talibã soubesse que aquela ligação de telefone móvel iria matá-lo, não a teria feito. Mas como não sabia, fez a ligação e morreu em seguida. Em 7 de Julho de 2005, quatro homens-bomba detonaram mochilas carregadas com explosivos no centro de Londres. Cinquenta e duas pessoas morreram, cerca de 700 ficaram feridas e pelo menos cem foram mutiladas. Três dos quatro homens-bomba nasceram e foram criados em solo britânico, porém filhos de paquistaneses. O quarto era um jamaicano naturalizado britânico e convertido ao islão. Ele e um dos outros ainda estavam na adolescência; o terceiro tinha 22 anos, e o líder do grupo, 30. Todos haviam sido radicalizados, ou convertidos ao fanatismo extremo, bem no coração da Inglaterra, depois de frequentar mesquitas extremistas e ouvir pregadores fanáticos. Nas 24 horas que se seguiram às explosões, os homens foram identificados e associados a vários endereços na cidade e arredores de Leeds, norte da Inglaterra. Inclusive, todos haviam falado em intensidades diversas com sotaque de Yorkshire. O líder fora Mohammad Siddique Khan, professor numa escola para alunos com necessidades especiais.
Durante a busca nas casas e propriedades dos homens-bomba, a polícia encontrou um verdadeiro tesouro que preferiu não revelar à imprensa. Quatro recibos demonstravam que um dos integrantes mais velhos comprou telemóveis do tipo descartável, e aparelhos tri-band, que podem ser usados praticamente em qualquer parte do mundo. Cada um dos aparelhos continha um cartão pré-pago no valor de 20 libras esterlinas. Os telemóveis foram pagos em dinheiro e estavam desaparecidos. Mas a polícia logo identificou os números e classificou-os como suspeitos, de modo que seriam identificados caso voltassem a ser utilizados. Também foi descoberto que Siddique Khan e seu parceiro de maior confiança no grupo, um jovem punjabi chamado Shehzad Tanweer, passaram três meses no Paquistão em Novembro do ano anterior. Não foi descoberta pista alguma sobre quem os dois teriam visitado, mas, semanas depois das explosões, a rede de televisão árabe Al Jazeera transmitiu uma gravação de Siddique Khan na qual ele anunciava a sua morte. O vídeo certamente fora gravado durante aquela visita feita a Islamabad.
Foi apenas em Setembro de 2006 que também ficou comprovado que um dos homens-bomba levara, na viagem, um dos inocentes telemóveis desaparecidos e o presenteara ao seu organizador instrutor da al-Qaeda. (A polícia britânica já estabelecera que nenhum dos homens-bomba possuía habilidade técnica para fabricar as bombas sem instrução e auxílio). Independentemente da identidade dessa autoridade superior, esta passara o presente adiante como um sinal de respeito a um membro da comitiva de elite reunida em torno da pessoa de Osama bin Laden, no seu esconderijo nas montanhas do Waziristão do Sul, ao longo da fronteira do Paquistão com o Afeganistão, a oeste de Peshawar. O aparelho seria utilizado apenas para emergências, já que todos os agentes da al-Qaeda são cautelosos no uso de telemóveis. Contudo, o doador não teria como saber que os fanáticos britânicos haviam cometido a estupidez de deixar o recibo do aparelho na sua escrivaninha em Leeds. A comitiva de Bin Laden apresenta quatro divisões, que lidam com as operações, as finanças, a propaganda e a doutrina da organização. Cada divisão possui um director, que responde apenas a Bin Laden e ao seu co-líder, Ayman Al-Zawahiri. Em Setembro de 2006, o chefe de finanças do grupo terrorista era o egípcio Tewfik Al-Qur, conterrâneo de Zawahiri.
Por motivos posteriormente esclarecidos, Tewfik Al-Qur encontrava-se disfarçado na cidade paquistanesa de Peshawar, em 15 de Setembro, e não partia para uma viagem demorada e perigosa para longe do entorno das montanhas, mas retornava de uma. Aguardava a volta do guia que iria levá-lo aos picos waziris, e à presença do xeque em pessoa.
Para protegê-lo em sua breve estada em Peshawar, foram-lhe designados quatro fanáticos locais, pertencentes ao movimento Talibã. Como é normal aos homens originários das montanhas do noroeste, eles eram tecnicamente paquistaneses, mas da tribo dos waziris. Falavam pashto melhor que urdu, e eram leais ao povo pashtun, do qual a tribo waziris é um sub-ramo. Todos foram içados da sarjeta numa madrassa, ou internato corânico de orientação extrema, aderindo à seita wahabi do islão, a mais severa e intolerante de todas. Não tinham conhecimento ou habilidade para qualquer coisa que não fosse recitar o Corão e, portanto, como milhões de jovens criados em madrassas, eram incapazes de obter emprego». In Frederick Forsyth, O Afegão, Edições ASA, 2008, ISBN 978-989-230-267-6.

Cortesia de EASA/JDACT