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Então, de repente, Danny
reparou que Pilon havia fechado o casaco carinhosamente sobre o peito. Oi,
Pilon amigo!, gritou Danny. Pilon aumentou as passadas. Danny começou a correr.
Pilon, meu amiguinho! Aonde vai tão depressa? Pilon resignou-se ao inevitável e
esperou. Danny aproximou-se cautelosamente, mas seu tom era entusiástico. Procurei-o,
mais querido dos amigos angélicos, pois olhe, tenho aqui dois grandes nacos de
porco do próprio Deus e um saco de doce pão branco. Partilhe da minha fartura,
Pilon, meu tampinha. Pilon encolheu os ombros. Como queira, resmungou
brutalmente. Entraram juntos na mata. Pilon estava confuso. Finalmente, parou e
encarou o amigo. Danny, perguntou com voz triste, como soube que eu tinha uma
garrafa de conhaque escondida no casaco? Conhaque?, gritou Danny. Você tem
conhaque? Talvez seja para uma velha mãe doente, disse, candidamente. Talvez
você a tenha guardado para o Menino Jesus, para quando Ele voltar. Quem sou eu,
seu amigo, para avaliar o destino desse conhaque? Nem mesmo estou certo de que você o tenha. Além do mais, não
estou com sede. Não beberei seu conhaque. Seja bem-vindo a este enorme porco
assado que me pertence, mas, quanto ao seu conhaque, ele é seu.
Pilon
respondeu duramente: Danny, não me importo de dividir meu conhaque com você,
meio a meio. Tenho a obrigação de não deixar que você o beba todo. Danny deixou
o assunto morrer. Vou cozinhar este porco aqui na clareira e você tostará os
bolinhos que estão neste saco. Ponha seu conhaque ali, Pilon. Ali é melhor,
onde o possamos ver e ver também um ao outro. Acenderam uma fogueira, grelharam
o presunto e comeram o pão dormido. O conhaque diminuiu rapidamente na garrafa.
Depois de comerem, acocoraram-se junto da fogueira e tomaram delicadamente
golinhos da garrafa, como abelhas exaustas. A neblina caiu sobre eles, cobrindo
seus casacos de humidade. O vento sussurrava tristemente nos pinheiros, acima
de suas cabeças. E pouco depois a solidão abateu-se sobre Danny e Pilon. Danny
pensou nos amigos desaparecidos. Onde está Arthur Morales?, perguntou Danny, virando
as palmas das mãos para cima e estendendo os braços, Morto na França, respondeu
a si mesmo, virando as palmas das mãos para baixo e deixando os braços caírem,
desalentado. Morto pela pátria. Morto em terra estranha. Estranhos andam perto
de seu túmulo e não sabem que Arthur Morales jaz ali. Tornou a virar as palmas
das mãos para cima. Onde está Pablo, aquele bom sujeito? Na cadeia, respondeu
Pilon. Pablo roubou um ganso e o escondeu no mato. O ganso bicou Pablo, que gritou
e foi apanhado. Agora ficará na prisão durante seis meses.
Danny
suspirou e mudou de assunto, pois percebeu que havia utilizado abusivamente o único conhecido apropriado para
alimentar a conversa. Mas a solidão continuava dentro dele e pedia passagem. Aqui
estamos nós, começou. … de coração partido, acrescentou Pilon, compassadamente. Não,
isto não é um poema, falou Danny. Aqui
estamos nós desabrigados. Demos nossas vidas pela nossa pátria e agora não
temos um telhado para nos abrigar. Nunca tivemos, completou Pilon, corrigindo-o. Danny bebeu
pensativamente, até que Pilon tocou noseu braço e
pegou a garrafa. Isso me faz lembrar, disse Danny, a história daquele homem que
tinha duas pensões de mulheres.
Ficou de boca aberta. Pilon!, gritou. Pilon! Meu patinho
gordo, meu garotinho.
Eu tinha esquecido! Sou herdeiro! Possuo duas casas. Casas de mulheres?, perguntou Pilon, esperançoso. Você é um
bêbado mentiroso, prosseguiu. Não,
Pilon. Estou dizendo
a verdade. O viejo morreu.
Sou o herdeiro dele. Eu, seu neto predilecto. Você é o
único neto, disse o
realista Pilon. Onde
ficam as casas? Você conhece a casa do viejo em Tortilla Fiat, Pilon? Aqui em Monterey? Sim, aqui em
Tortilla Fiat». In John Steinbeck, O Milagre de São Francisco,
1935, Livros do Brasil, 2013, ISBN 978-972-382-870-2.
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