«(…) Fez sinal aos escravos com os machados para que libertassem Pug, que, pouco depois, encontrava-se a salvo. Laurie levou-o até ao lugar onde estava o jovem soldado. Pug tossiu o que restava de água nos pulmões e disse, ofegante: agradeço ao meu amo pela minha vida. O homem nada disse, mas, quando o capataz se aproximou, dirigiu-lhe algumas observações: o escravo tinha razão e você não. A árvore estava podre. Não é certo castigá-lo por sua falta de discernimento e seu mau humor. Devia mandar espancá-lo, mas não vou perder tempo com isso. O trabalho avança devagar e o meu pai está descontente. Nogamu abaixou a cabeça. Sinto-me humilhado com o que meu senhor pensa de mim. Tenho permissão para tirar a minha própria vida? Não. Seria honra demais. Volte ao trabalho. O rosto do capataz enrubesceu de raiva e vergonha silenciosas. Erguendo o chicote, apontou para Laurie e Pug. Vocês dois, voltem ao trabalho. Laurie levantou-se e Pug tentou. Tinha os joelhos pouco firmes, pois quase se afogara, mas conseguiu ficar de pé após várias tentativas. Estes dois estão dispensados pelo resto do dia, disse o jovem lorde. Este aqui, apontou para Pug, não tem grande utilidade. O outro tem de tratar os cortes que você lhe fez ou irão infectar. Virou-se para o guarda. Leve-os de volta ao acampamento para que cuidem deles.
Pug sentiu-se grato, não tanto por ele, mas por Laurie. Com
algum descanso, Pug poderia ter retomado o trabalho; no entanto, uma ferida
aberta num pântano significava, na maioria das vezes, uma sentença de morte. As
infecções eram rápidas naquele lugar quente e sujo, e havia poucos tratamentos
disponíveis. Seguiram o guarda. Enquanto se afastavam, Pug percebeu que o
feitor os fitava com ódio indisfarçado no olhar.
O assoalho rangeu e Pug acordou na mesma hora. A cautela
nascida e desenvolvida pela escravidão advertiu-o de que aquele som não se
encaixava no interior da cabana, no meio da noite.
Na penumbra, ouviu passos que se aproximavam, parando aos pés de seu
catre. Ao seu lado, ouviu uma súbita inspiração e soube que o menestrel também
estava acordado. Provavelmente, metade dos escravos tinha acordado com o
intruso. O desconhecido pareceu hesitar e Pug esperou, tenso com a incerteza.
Ouviu-se um grunhido e, sem esperar, Pug rolou para fora do catre. Escutou algo
pesado batendo no chão, e o ruído surdo de uma adaga atingindo o lugar onde o
seu peito estivera momentos antes. De repente, o alojamento explodiu num
frenesi. Os escravos gritavam e corriam para a porta. Pug sentiu mãos
agarrando-o na escuridão e logo uma dor aguda explodiu-lhe no peito. Tentou
alcançar o agressor às cegas, brigando pela posse da lâmina. Outro golpe
fez-lhe um corte na palma da mão direita. Subitamente, o atacante parou de se
mexer e Pug percebeu que havia uma terceira pessoa em cima do pretenso assassino.
Soldados entraram correndo na cabana, com lanternas nas mãos. Pug viu Laurie
caído por cima do corpo imóvel de Nogamu. O Urso ainda respirava, mas,
considerando a forma como a adaga saía de sua caixa torácica, não seria por
muito tempo. O jovem soldado que salvara as vidas de Pug e Laurie entrou e os outros abriram caminho para que
passasse. Parou perto dos três combatentes e simplesmente perguntou: está
morto? O capataz abriu os olhos e, num sussurro fraco, conseguiu dizer: estou
vivo, senhor. Mas morro pela espada. Um sorriso leve e desafiador apareceu no
rosto suado. A expressão do jovem soldado não revelou qualquer emoção, embora
seus olhos parecessem em chamas. Não creio, disse calmamente. Virou-se para os dois
soldados: levem-no já para fora e enforquem-no. Não haverá honra alguma para
ser cantada pelo seu clã. Deixem o corpo para os insectos. Servirá como aviso
para que não me desobedeçam. Vão.
O rosto do moribundo empalideceu e os
seus lábios tremeram: não,
meu amo. Eu imploro, deixe-me morrer pela espada. São só mais uns minutos. Uma
espuma avermelhada surgiu nos cantos da boca do homem. Dois rudes soldados agarraram Nogamu e, sem se importarem com o
seu sofrimento, arrastaram-no para fora. Ele gritou por todo o percurso. A
força que permanecia na sua voz era surpreendente, como se o medo da forca despertasse
uma reserva profunda. Ficaram
parados como em um quadro até o som terminar num
grito sufocado. Nesse momento, o jovem oficial virou-se para Pug e Laurie. Pug
estava sentado com sangue escorrendo do corte comprido e superficial no peito.
Segurava a mão ferida com a outra. Este corte era fundo e os dedos não se
mexiam». In Raymond Feist, Mago Mestre, 1982, 1992, Saída de Emergência, 2014/2015, ISBN
978-989-637-767-0.
Cortesia de SdeEmergência/JDACT
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