«(…) Estes exemplos mostram até que ponto os estudos bíblicos abriram um novo espaço para as artes. Há duzentos anos, um romance que tratasse de assuntos bíblicos seria impensável. Nem a poesia ousava abordar esses temas, excepto na forma mais ou menos ortodoxa, mais ou menos piedosa de O paraíso perdido. No século XX, porém, Jesus e seu mundo já eram vistos, não como alvos aceitáveis para explorações notoriamente sensacionalistas, mas como objectos válidos de investigação e exploração por literatos de renome internacional. Através dessas obras de ficção, os frutos dos estudos bíblicos especializados se disseminaram entre um público cada vez mais amplo. Os próprios estudos bíblicos não permaneceram inalterados. Jesus e o mundo do Novo Testamento continuaram a receber a atenção de historiadores e pesquisadores profissionais que, com crescente rigor e novos elementos de prova a seu dispor, buscavam apurar os factos que envolviam aquele enigmático personagem de 2 mil anos atrás. Muitos desses trabalhos destinavam-se basicamente a outros especialistas no campo e atraíram pouca atenção popular. Alguns, no entanto, foram expostos ao público leitor em geral e deram origem a considerável controvérsia. The Passo ver Plot (1963), de Hugh Schonfield, afirmou que Jesus encenou a farsa da sua própria crucificação, não tendo morrido na cruz; o livro tornou-se um best-seller internacional, com mais de 3 milhões de cópias em circulação. Mais recentemente, Jesus the Maaician, em que Morton Smith descreve o seu protagonista como um típico milagreiro da época, uma espécie de figura muito comum no Médio Oriente no início da era cristã, gerou controvérsia. O Jesus de Morton Smith não difere significativamente, por exemplo, de Apolónio de Tiana ou do protótipo da figura lendária (se é que existiu alguma) de Simão, o Mago.
Além do material dedicado
especificamente a Jesus, têm surgido inúmeros trabalhos sobre as origens do
cristianismo, a formação da Igreja
primitiva e suas raízes no judaísmo do Antigo Testamento. Neste aspecto, o Schonfield
desempenhou novamente papel de destaque, com uma série de trabalhos voltados
para o pano de fundo do Novo Testamento. E, em 1929, Elaine Pagels atraiu a
atenção do mundo e alcançou um imenso contingente de leitores com The Gnostic Gospels, um estudo dos manuscritos de Nag
Hammadi, cuja descoberta no Egipto, em 1945, permitiu uma interpretação
radicalmente nova da doutrina e da tradição cristãs. Os estudos bíblicos
fizeram enormes avanços nos últimos quarenta anos, com a imensa ajuda
representada pela descoberta de novas fontes primárias, material fora do
alcance dos pesquisadores do passado. As mais famosas dessas fontes são,
evidentemente, os manuscritos do Mar Morto, descobertos em 1947 nas ruínas da
comunidade ascéptica essénia de Qumran. Além de grandes descobertas como essa,
da qual muitas partes ainda estão por ser publicadas, outras fontes têm vindo à
luz gradualmente, ou começam a ser postas em circulação e estudadas após longos
períodos de ocultação. O resultado é que Jesus está deixando de ser um vago
personagem que existiu no mundo simplista e fictício dos Evangelhos. A
Palestina é o advento da era cristã não é mais um lugar nebuloso que pertence
mais ao mito do que à história. Ao contrário, hoje sabemos muito sobre o
ambiente de Jesus, e muito mais do que a maioria dos cristãos praticantes
imagina sobre a Palestina no século I, sua sociologia, sua economia, sua política,
sua atmosfera cultural e religiosa, sua actualidade histórica. Grande parte do mundo
de Jesus emergiu da bruma da conjectura, da especulação e da hipérbole mítica,
e está mais claramente e mais bem documentada do que, digamos, o mundo do rei
Artur. E embora o próprio Jesus permaneça envolto num grau considerável de indefinição,
é tão possível fazer inferências plausíveis a seu respeito quanto sobre o rei
Artur ou Robin Hood.
O malogro dos estudos bíblicos
Apesar
de tudo isso, a profecia optimista que citamos no início deste capítulo não se
realizou. Teólogos intelectualmente respeitados não passaram, pelo menos, não
publicamente, a partilhar dessas conclusões, nem a se espantar com a
credulidade dos seus predecessores do século XIX. Em certos sectores, o dogma
se tornou apenas mais arraigado do que nunca». In Michael Baigent, Richard
Leigh, Henry Lincolin, A Herança Messiânica, 1994, Editora Nova Fronteira,
1994, ISBN 978-852-090-568-5.
Cortesia de ENFronteira/JDACT
JDACT, Michael Baigent, Richard Leigh, Henry Lincolin, Literatura, Religião, Crónica,