Londres, 25 de Maio de 1537
«(…) Eu estava presa dentro do
labirinto do jardim do meu tio. Ele havia acabado de construí-lo e não se
cansava de repetir que os monges que tinha contratado para desenhá-lo eram
melhores do que os que o cardeal Wolsey usara. O labirinto tinha sido
inaugurado naquele dia, 4 de Setembro, data da celebração anual do segundo
duque de Buckingham, meu avô falecido havia tempos. Nós, os primos, fomos
vendados e conduzidos até ao centro. Então nossas vendas foram retiradas, e
mandaram que saíssemos correndo para ver quem chegaria primeiro. Percorram o
labirinto! Percorram o labirinto!, gritava meu tio do lado de fora das sebes
sinuosas. Eu era uma das mais novas e logo fiquei para trás. Em pouco tempo me
vi sozinha. Corria de um lado para outro esperando ver as paredes verdes se
abrirem para o jardim, mas o meu instinto estava sempre errado e eu só me
embrenhava ainda mais no labirinto.
O que há com você, Joanna? Pense,
menina, pense! As vozes foram ficando mais altas, mais impacientes. Joanna,
deixe de ser boba!, gritou um dos meninos. Alguém mais velho o mandou calar a
boca. Eu virara o centro das atenções, coisa que sempre detestava. Será que
havia dobrado à direita naquela curva ou à esquerda? O pânico me fazia esquecer
os caminhos que já tinha percorrido. Como minha cabeça girava com o aroma das
rosas. Dúzias de roseiras vermelhas muito bem podadas se espalhavam pelo
labirinto. A temporada dessas flores estava quase no fim e as suas pétalas já
tinham murchado e caído. Além disso, já havia passado a hora do dia em que o seu
frescor estava no auge.
Mas eram muitas roseiras, e eu
passara por elas várias vezes. Quase podia sentir na boca o sabor pungente
daquelas rosas altivas e cheias de pólen. Fiz uma curva bem rápido e trombei
com Margaret. Caímos as duas no chão, rindo, com as contas de nossas mangas
bufantes emboladas umas nas outras. Depois de nos soltarmos, ela me ajudou a
levantar. Margaret era um ano mais velha e cinco centímetros mais alta que eu e
sempre muito mais inteligente e bonita. Minha prima-irmã, minha única amiga. Margaret,
onde se meteu?, gritou o duque de Buckingham. É melhor não ter entrado no
labirinto de novo para buscar Joanna. Ah, ele vai zangar-se consigo, falei. Não
deveria ter vindo. Margaret piscou para mim. Limpou a sujeira das nossas roupas
de festa e me conduziu para fora do labirinto sem largar a minha mão em momento
nenhum.
Estavam todos nos esperando na
entrada, no que parecia ser uma reunião completa do clã dos Stafford e de todos
os nossos criados. Meu tio, o duque, mais importante nobre da Inglaterra, usava
roupas bordadas em prata e uma longa pena de avestruz no chapéu. Ao lado dele
estava seu irmão mais novo, sir Richard Stafford, meu pai. Por pouco não os
alcançava uma sombra comprida que se estendia pelo jardim, lançada pela torre
quadrada que se erguia acima de nós. O castelo de Bornbury (?), em Gloucestershire,
fora construído para fazer frente aos ataques. Não de algum inimigo
estrangeiro, mas de muitas gerações de reis Plantagenetas cobiçosos de poder. Destemida,
Margaret foi directamente até ao duque. Viu, pai, encontrei Joanna, disse ela. Já
podem ir jogar ténis. Ele nos examinou com as sobrancelhas arqueadas enquanto
todos aguardavam, tensos. Mas o duque de Buckingham riu. Beijou a filha
adorada, sua filha ilegítima, criada junto com os quatro rebentos de sua
submissa duquesa. Eu bem sei que você é capaz de tudo, Margaret, falou. Meu pai
também me deu um abraço apertado. Ele havia passado o dia inteiro caçando, e me
lembro do seu cheiro de suor, terra e relva seca esmagada. Eu me senti muito
aliviada e feliz.
A carroça londrina deu uma travagem
e estremeceu, derrubando-me por cima da palha. Foi o fim do meu devaneio. Tínhamos deixado para trás os muros da cidade
e viramos para uma rua lateral. As rodas da carroça estavam atoladas na lama. O
carroceiro praguejou quando os cavalos relincharam, e os homens barulhentos se
moveram para a parte de trás da carroça. Não faz mal, disse-me a mulher. Já
estamos quase em Smithfield.
Segui o grupo até ao fim da rua e
em seguida por outra via margeada por tabernas, que se abria para um imenso
descampado plano apinhado de pessoas que já tinham chegado e aguardavam a execução
do dia. Eram centenas: homens, mulheres, marinheiros e costureiras, além de
crianças. Uma família me empurrou para passar, a mãe carregando um cesto de pão,
o pai com um menino encarapitado nos ombros. Sem qualquer aviso, um cheiro fétido
dominou minhas narinas, minha garganta e meus pulmões. Meus olhos lacrimejaram.
Era o pior cheiro que eu já tinha sentido em Londres. Dei um grito e levei as mãos
à garganta, que ardia. É o matadouro, que fica a leste daqui, explicou a mulher
com quem eu viajara na carroça. Quando o vento sopra de lá, o cheiro de sangue
e vísceras pode ser bem ruim. Ela tocou meu cotovelo. Estou vendo que você não
está acostumada com Smithfield. Venha comigo, não saia de perto». In
Nancy Bilyeau, Os Mistérios da Coroa, Editora Arqueiro, 2012, ISBN
978-858-041-082-2.
Cortesia de EArqueiro/JDACT
JDACT, Nancy Bilyeau, Literatura, Londres,