Segunda-feira, 4 de Julho de 2005
«(…) Ela torna a subir. Há uma
profunda depressão no solo na entrada da caverna, onde antes ficava a pedra. A
terra húmida fervilha com a frenética actividade de minhocas e besouros
subitamente expostos à luz e ao calor depois de tanto tempo. Seu boné está no
chão no mesmo lugar onde caiu. Sua colher de pedreiro também está lá, exactamente
onde ela a deixou. Alice espia para dentro da escuridão. A abertura não tem
mais de um metro e meio de altura por cerca de um metro de largura, e suas
bordas são irregulares e ásperas. Parece uma abertura natural, não algo feito
pelo homem, mas quando ela passa os dedos pela rocha, para cima e para baixo,
encontra trechos curiosamente lisos nos pontos onde a pedra repousava. Lentamente,
seus olhos se acostumam à penumbra. O preto aveludado cede lugar a um cinza
escuro, e ela vê que está diante de um túnel comprido e estreito. Sente os cabelos
finos se eriçarem na nuca, como a avisá-la de que na escuridão há algo à
espreita que seria melhor deixar em paz. Mas é só uma superstição infantil, e
ela não se permite pensar nisso. Alice não acredita em fantasmas nem em premonições.
Apertando a fivela na mão com
força, como um talismã, ela respira fundo e dá um passo para dentro da
passagem. No mesmo instante, o cheiro de um ar subterrâneo há muito escondido a
envolve, enchendo sua boca, sua garganta, seus pulmões. O ambiente é fresco e húmido,
sem os gases secos, venenosos de uma caverna lacrada com os quais lhe avisaram
para tomar cuidado, então ela conclui que deve existir alguma fonte de ar puro.
Porém, para garantir, vasculha os bolsos dos shorts até encontrar seu isqueiro.
Acende-o e ergue-o em direcção ao espaço escuro, confirmando que há oxigénio. A
chama é sacudida por uma corrente de ar, mas não se apaga. Sentindo-se nervosa
e ligeiramente culpada, Alice enrola a fivela num lenço e a enfia no bolso, em
seguida avança com cautela. A luz da chama é fraca, mas ilumina o caminho
imediatamente à sua frente, lançando sombras sobre as paredes cinza e ásperas. À
medida que avança mais, ela vai sentindo o ar frio se enroscar por suas pernas
e braços nus como um gato. Está caminhando sobre uma rampa. Pode sentir o chão descendo
sob seus pés, irregular e arenoso. O atrito das pedras e do cascalho ressoa
alto naquele espaço confinado, silencioso. Ela tem consciência de que, quanto
mais longe e mais fundo avança, mais a luz do dia vai ficando pálida atrás de
si.
De repente, ela não quer mais
continuar. Não sente nenhuma vontade de estar ali. Mas é como se houvesse algo
irresistível naquilo, algo a puxá-la para as entranhas profundas da montanha. Dez
metros mais adiante, o túnel termina. Alice se vê na soleira de uma câmara
fechada como uma caverna. Ela está em pé sobre uma plataforma de pedra natural.
Um ou dois degraus rasos e largos bem na sua frente levam à área principal onde
o chão foi nivelado até ficar plano e liso. A caverna tem cerca de dez metros
de comprimento e talvez cinco de largura, e foi obviamente construída por mãos humanas,
e não só pela natureza. O tecto é baixo e abobadado, como o de uma cripta.
Alice olha fixamente, segurando
mais alto a chama tremeluzente e incomodada por uma curiosa familiaridade que a
vai dominando e que ela não consegue explicar. Está prestes a descer os degraus
quando percebe letras gravadas na pedra do degrau de cima. Inclina-se e tenta
ler o que está escrito. Apenas as três primeiras palavras e a última letra, N,
ou talvez H, estão legíveis. As outras estão carcomidas ou lascadas. Alice
limpa a poeira com os dedos e recita as letras em voz alta. Naquele silêncio, o
eco de sua voz parece de certa forma hostil e ameaçador. P-A-S A P-A-S... Pas a pas. Passo a passo? Passo a
passo o quê? Uma vaga lembrança percorre a superfície de sua mente consciente,
como uma canção há muito esquecida. E logo desaparece. Pas a pas, murmura ela
dessa vez, mas aquilo não significa nada. Uma prece? Um aviso? Sem saber o que
vem depois, não faz sentido». In Kate Mosse, Labirinto, Editora Suma de
Letras, 2006, ISBN 978-857-302-768-6.
Cortesia de ESumafrLetras/JDACT
JDACT, Kate Mosse, Literatura, Cátaros, Languedoc,