domingo, 10 de abril de 2022

Theresa Breslin. Prisioneira da Inquisição. «Lorena pareceu realmente decepcionada quando me sentei novamente. Ouvimos vozes vindas da entrada e depois passos se aproximando. Antes que os homens entrassem na sala, Lorena ergueu seu xaile…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491

Zarita

«(…) Embora eu estivesse contente por ela não usar o lugar da mãe, Lorena usava a cadeira que outrora eu ocupava e considerei uma afronta o facto de ela não me ter consultado antes de decidir onde se sentaria. Nas refeições, sentia-me deixada de lado, pois ela nunca me incluía em qualquer uma de suas conversas e fazia uma carranca de modo desagradável sempre que eu tentava participar. Chegaram cavaleiros, informei a meu pai. Um deles é um monge, e os outros usam um uniforme muito estranho. Meu pai fez um ruído de irritação com a língua por não ter conseguido fazer com que eu voltasse para o meu lugar. Então limpou a boca com o guardanapo e foi até à janela. Veja... Apontei para onde os homens estavam desmontando. Seis cavaleiros. Um monge usando um hábito negro acompanhado por cinco soldados vestindo túnicas com uma incomum cruz verde pintada no peito. Ouvi o pai inspirar fundo. Olhei-o com curiosidade. Quem são eles? Seguiu-se um silêncio, e então meu pai falou firmemente. Os soldados usam o uniforme da Santa Inquisição (maldita).

Atrás de mim, ouvi Lorena suspirar alto. Vou retirar-me para o meu quarto, disse ela rapidamente. Não, espere, ordenou-lhe o pai. Disseram-me que é melhor ser completamente receptivos com essas pessoas. Ficará óbvio que perturbaram a nossa refeição. Portanto, minha esposa e minha filha deverão estar sentadas à mesa. Eles poderão se juntar a nós se quiserem comer. Houve uma batida autoritária na porta da frente. Meu pai mandou-me ficar sentada e ele mesmo foi abri-la, interceptando Serafina no caminho. Eu atendo os visitantes, disse-lhe ele. Creio que são representantes da Inquisição (maldita). Serafina deu um olhar assustado para o pai e fez o sinal da cruz na testa. Não tenha medo, recomendou-lhe, enquanto ela voltava apressada para a cozinha. E diga aos demais criados que eles nada têm a temer. Eu o segui até à entrada da sala de jantar, para olhar dali à porta. Você deveria voltar e se sentar, gritou Lorena para mim. Creio que seu pai ficará aborrecido se não estiver sentada na mesa quando esses homens entrarem.

Lancei-lhe um olhar de desprezo por cima do ombro. Como se eu fosse fazer alguma coisa que você me aconselhasse. Lorena deu de ombros. Está bem, disse ela, e sua voz teve um toque de alegre satisfação. Faça o que lhe der na telha, Zarita. Então acrescentou num tom mais baixo: E sofra as consequências. Eu estava determinada a permanecer onde estava. Então pensei melhor. A chegada daqueles homens tinha afectado meu pai de uma maneira peculiar. Não tinha a certeza de como ele reagiria agora à minha desobediência e talvez Lorena tivesse sugerido de propósito que eu deveria obedecer a ele, sabendo que eu faria o oposto. Considerava minha madrasta astuta o bastante para armar uma situação que me metesse em encrenca. Quando ouvi o pai abrir a porta da frente, corri de volta à mesa e ocupei o meu lugar.

Lorena pareceu realmente decepcionada quando me sentei novamente. Ouvimos vozes vindas da entrada e depois passos se aproximando. Antes que os homens entrassem na sala, Lorena ergueu seu xaile, que estava jogado por cima do encosto da sua cadeira, e envolveu completamente a parte de cima do corpo, ocultando o decote e os braços nus. Padre Besian, é com satisfação que o acolho em minha casa e lhe apresento a minha família. O pai falava com o monge que havia entrado na sala à sua frente. E meu pai, tão acostumado a controlar a si mesmo e aos outros, fez um gesto nervoso. O padre Besian, por sua vez, nos examinou. Lorena acenou com a cabeça e baixou os olhos, mas quando o olhar do religioso alcançou o meu, recusei-me a baixar docilmente a cabeça como ela fizera. Ele me encarou com profundos olhos negros. Tendo sido tão protegida por minha mãe, eu só ouvira através dos criados vagas histórias sobre os julgamentos da Inquisição (maldita) e não via por que tínhamos de temer seus associados. Era verdade que o tal monge parecia severo, mas para mim a expressão no seu rosto era de preocupação.

Estou disponível para confissão enquanto estiver aqui, anunciou ele, e espero que todos desta casa se confessem. Com honestidade e clareza, acrescentou. Deve nos desculpar se estivermos transtornados, pois este é um lar enlutado, disse-lhe meu pai. Ainda choramos pela minha esposa, que morreu há quase um ano». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.

Cortesia de GRecord/JDACT

 JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,