A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491
Zarita
«(…) Embora eu estivesse contente
por ela não usar o lugar da mãe, Lorena usava a cadeira que outrora eu ocupava
e considerei uma afronta o facto de ela não me ter consultado antes de decidir
onde se sentaria. Nas refeições, sentia-me deixada de lado, pois ela nunca me
incluía em qualquer uma de suas conversas e fazia uma carranca de modo
desagradável sempre que eu tentava participar. Chegaram cavaleiros, informei a
meu pai. Um deles é um monge, e os outros usam um uniforme muito estranho. Meu
pai fez um ruído de irritação com a língua por não ter conseguido fazer com que
eu voltasse para o meu lugar. Então limpou a boca com o guardanapo e foi até à janela.
Veja... Apontei para onde os homens estavam desmontando. Seis cavaleiros. Um
monge usando um hábito negro acompanhado por cinco soldados vestindo túnicas
com uma incomum cruz verde pintada no peito. Ouvi o pai inspirar fundo. Olhei-o
com curiosidade. Quem são eles? Seguiu-se um silêncio, e então meu pai falou
firmemente. Os soldados usam o uniforme da Santa Inquisição (maldita).
Atrás de mim, ouvi Lorena
suspirar alto. Vou retirar-me para o meu quarto, disse ela rapidamente. Não,
espere, ordenou-lhe o pai. Disseram-me que é melhor ser completamente
receptivos com essas pessoas. Ficará óbvio que perturbaram a nossa refeição.
Portanto, minha esposa e minha filha deverão estar sentadas à mesa. Eles poderão
se juntar a nós se quiserem comer. Houve uma batida autoritária na porta da
frente. Meu pai mandou-me ficar sentada e ele mesmo foi abri-la, interceptando Serafina
no caminho. Eu atendo os visitantes, disse-lhe ele. Creio que são
representantes da Inquisição (maldita). Serafina deu um olhar assustado para o pai
e fez o sinal da cruz na testa. Não tenha medo, recomendou-lhe, enquanto ela
voltava apressada para a cozinha. E diga aos demais criados que eles nada têm a
temer. Eu o segui até à entrada da sala de jantar, para olhar dali à porta. Você
deveria voltar e se sentar, gritou Lorena para mim. Creio que seu pai ficará
aborrecido se não estiver sentada na mesa quando esses homens entrarem.
Lancei-lhe um olhar de desprezo
por cima do ombro. Como se eu fosse fazer alguma coisa que você me
aconselhasse. Lorena deu de ombros. Está bem, disse ela, e sua voz teve um
toque de alegre satisfação. Faça o que lhe der na telha, Zarita. Então
acrescentou num tom mais baixo: E sofra as consequências. Eu estava determinada
a permanecer onde estava. Então pensei melhor. A chegada daqueles homens tinha
afectado meu pai de uma maneira peculiar. Não tinha a certeza de como ele
reagiria agora à minha desobediência e talvez Lorena tivesse sugerido de propósito
que eu deveria obedecer a ele, sabendo que eu faria o oposto. Considerava minha
madrasta astuta o bastante para armar uma situação que me metesse em encrenca.
Quando ouvi o pai abrir a porta da frente, corri de volta à mesa e ocupei o meu
lugar.
Lorena pareceu realmente
decepcionada quando me sentei novamente. Ouvimos vozes vindas da entrada e
depois passos se aproximando. Antes que os homens entrassem na sala, Lorena
ergueu seu xaile, que estava jogado por cima do encosto da sua cadeira, e
envolveu completamente a parte de cima do corpo, ocultando o decote e os braços
nus. Padre Besian, é com satisfação que o acolho em minha casa e lhe apresento
a minha família. O pai falava com o monge que havia entrado na sala à sua
frente. E meu pai, tão acostumado a controlar a si mesmo e aos outros, fez um
gesto nervoso. O padre Besian, por sua vez, nos examinou. Lorena acenou com a
cabeça e baixou os olhos, mas quando o olhar do religioso alcançou o meu,
recusei-me a baixar docilmente a cabeça como ela fizera. Ele me encarou com
profundos olhos negros. Tendo sido tão protegida por minha mãe, eu só ouvira
através dos criados vagas histórias sobre os julgamentos da Inquisição (maldita) e não via por
que tínhamos de temer seus associados. Era verdade que o tal monge parecia
severo, mas para mim a expressão no seu rosto era de preocupação.
Estou disponível para confissão
enquanto estiver aqui, anunciou ele, e espero que todos desta casa se
confessem. Com honestidade e clareza, acrescentou. Deve nos desculpar se
estivermos transtornados, pois este é um lar enlutado, disse-lhe meu pai. Ainda
choramos pela minha esposa, que morreu há quase um ano». In Theresa Breslin, Prisioneira
da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.
Cortesia de GRecord/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,