quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Os Bastardos Reais. Isabel Lencastre. «O bastardo de dom João I, insaciável, ansioso por vingar com o poder e com a riqueza a inferioridade da sua origem, perante irmãos mais nobres a todos os respeitos…»

jdact

Os Bastardos de Avis. Os Bastardos do Rei Bastardo

«(…) O outro bastardo de João I (que foi, aliás, o primeiro de todos os seus filhos, legítimos ou ilegítimos) nasceu entre 1370 e 1377, numa casa à Porta da Aira, junto ao Tejo, que era pertença de Rui Penteado. Afonso foi criado por Gomes Martins Lemos, seu aio, que morava em Leiria e nesta vila viveu até 1401, ano em que dom João I o legitimou para ele casar, a 8 de Novembro, com dona Brites (ou Beatriz) Pereira Alvim, única filha de Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, que era, também ele, um bastardo.

Com a mulher, que era condessa de Barcelos e Arraiolos, Afonso recebeu muitas e boas terras: a vila de Chaves e o seu termo, as terras de Penafiel, Basto e Montalegre e várias quintas, honras, coutos e julgados, além do título de conde que, a pedido do sogro, seu pai lhe concedeu. Tornou-se assim o mais opulento senhor do reino.

Do seu casamento nasceram três filhos. O primeiro foi Afonso, conde de Ourém e, depois, marquês de Valença (o primeiro marquez que ouve neste reino), que teve de uma Brites Sousa (que ele à hora da morte mandou chamar para receber por mulher e quando chegou era já morto) um filho, Afonso de Portugal, que terá sido bispo de Silves e foi com certeza bispo de Évora, sendo considerado uma das personagens mais interessantes do Renascimento português. Afonso, que morreu em 1460, ainda em vida de seu pai, teve três filhos bastardos, o primeiro dos quais, Francisco, será conde de Vimioso.

Nasceu depois dom Fernando, quasi parvo, a que chamavão epicondríaco e se fazia pote e outras cousas galantes. Foi o segundo duque de Bragança e casou com Joana de Castro, que lhe deu oito filhos. Por fim, nasceu Isabel, que casou com o infante dom João, seu tio, filho legítimo do rei de Boa Memória. Em 1405, depois de ter acompanhado sua irmã a Inglaterra, Afonso visitou várias cortes europeias. Por 1410, esteve em Jerusalém, para venerar o Santo Sepulcro, tendo sido honrosamente recebido pela senhoria de Veneza quando por lá passou.

Depois de ter sido decidida a conquista de Ceuta, em 1415 (ano em que enviuvou), Afonso levantou gente nas províncias da Estremadura e Entre-Douro-e-Minho, e com ela foi embarcar ao Porto. Assumiu o cargo de capitão da capitania real e, na conquista da cidade, diz Azurara, bateu-se valorosamente. De regresso a Portugal, recebeu de seu pai novas mercês, que dom Duarte acrescentou quando subiu ao trono, em 1433. Durante o reinado de seu meio-irmão gozou, aliás, de muito valimento. Mas, aquando da frustrada conquista de Tânger, em 1437, o seu conselho, que era contrário a ela, não foi seguido.

Após a morte do rei Eloquente, colocou-se ao lado de dona Leonor, a rainha viúva (e triste), a quem dom Duarte confiara a regência, na menoridade de dom Afonso V. E encabeçou o partido que se opunha à intervenção do infante dom Pedro (seu meio-irmão) no governo do reino e de que faziam parte o arcebispo de Lisboa (neto bastardo do rei dom Fernando) e muitos fidalgos da Beira e de Entre-Douro-e-Minho.

Quando, na sequência das Cortes de Lisboa de 1439, o infante tomou o poder, assumindo a regência, o bastardo quis dar-lhe luta. E esteve a ponto de o fazer em Mesão Frio. Mas Afonso, conde de Ourém, seu filho primogénito, evitou o confronto, logrando reconciliar o pai com o tio. Com esta reconciliação, que foi, aliás, de curta duração, ganhou Afonso, em finais de 1422, o título de duque de Bragança. Mas não era suficiente para aplacar a sua ambição.

Escreve Oliveira Martins: O bastardo de dom João I, insaciável, ansioso por vingar com o poder e com a riqueza a inferioridade da sua origem, perante irmãos mais nobres a todos os respeitos, conseguiu penetrar também: subir, voando como um falcão, ou insinuar-se, rojando-se como uma serpente: trepar até sobre o cadáver do desgraçado de Alfarrobeira e, ganhando afinal, com o ducado de Bragança, um lugar ao lado dos duques de Viseu e de Coimbra, fazer desse posto o degrau que levou também ao trono os seus descendentes». In Isabel Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.

Cortesia de OdoLivro/JDACT

JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre,  O Paço Real,  Conhecimento,